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Ordem dos Médicos considera que limitação de fármacos em idosos é “pressão inaceitável”

Responsável da ARS do Norte garante que objectivo é sensibilizar profissionais para problema da “interacção” de fármacos.

 

A polémica estalou depois de a Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte ter escolhido, de um lote de indicadores possíveis para a avaliação do desempenho assistencial dos centros de saúde, a proporção de idosos com 75 ou mais anos que tomam regularmente mais de cinco medicamentos. É uma forma de “pressão inaceitável” porque pode induzir os profissionais a receitarem menos, contesta o presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos (OM), Miguel Guimarães.

O responsável adiantou ao PÚBLICO que o Conselho Nacional Executivo da OM se prepara para pôr em causa esta “recomendação”. É um “indicador inteiramente legítimo” para a avaliação da qualidade da prescrição e da gravidade dos doentes, contrapõe António Vaz Carneiro, director do Centro de Medicina Baseada na Evidência, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. “Se esta informação for bem colhida e usada, é relevante”, sustenta.

Surpreendido com a contestação, o vice-presidente da ARS do Norte, Rui Cernadas, garante que não está aqui em causa qualquer tipo de recomendação para uma menor prescrição de medicamentos a idosos, mas apenas de um indicador que foi “desenvolvido pela Administração Central do Sistema de Saúde, aprovado pelo secretário de Estado da Saúde e objecto de negociação prévia com os sindicatos”.

“Não há qualquer objectivo economicista. Trata-se de uma questão técnica que está a ser politizada. É um indicador que pretende sensibilizar os profissionais para a racionalização da prescrição”, porque os fármacos têm efeitos secundários e porque “se sabe que o risco da interacção medicamentosa aumenta com a idade”, diz Rui Cernadas. Mas por que razão se estabelece o limite de cinco medicamentos? Porque este é “o limite internacionalmente aceite para o aumento [deste] risco”, responde. Assegurando que a ARS do Norte só está preocupada com a “segurança” dos doentes e por isso escolheu este indicador regional este ano, Rui Cernadas concretiza: em termos absolutos, o risco de complicação medicamentosa é de 13% quando um idoso toma dois fármacos, sobe para 50% no caso de cinco fármacos e atinge 82% quando são sete.

Apesar das explicações, a controvérsia continua. Ontem, atingiu mesmo um novo patamar: a comissão de utentes de um centro de saúde de Vila Nova de Gaia (Barão do Corvo) considerou, em comunicado, que esta “recomendação” é uma forma de “eutanásia geracional”. O objectivo é “deixar morrer os idosos o mais rapidamente possível”, sentenciam os utentes.

Defendendo que os idosos tomam medicamentos a mais (ver caixa), António Vaz Carneiro nota que os médicos de família por vezes têm “medo de mexer nos medicamentos prescritos” pelos seus colegas dos hospitais. A prática de prescrição “fragmentada” acaba por ter resultados perversos, como a duplicação de medicação, lembra. O especialista recorda o trabalho desenvolvido por “um israelita que pegou num conjunto de doentes com mais de 80 anos e retirou 40% da medicação”. Resultado? “A mortalidade e a morbilidade não aumentaram e a esmagadora maioria dos idosos sentiu-se melhor”. Vaz Carneiro sublinha, porém, que este indicador não deve ser “extrapolado” nem usado para a atribuição de incentivos financeiros. “Pode haver doentes com mais de sete medicamentos com uma prescrição racional. É sempre necessária uma análise individual”, alerta.

“Sabemos que há doentes que tomam medicamentos a mais. Mas não tem sentido usar [a quantidade de fármacos] como indicador de contratualização. O número de medicamentos depende das doenças crónicas e da gravidade das doenças. Este indicador é importante para monitorização e discussão de boas práticas, mas não pode ser avaliado isoladamente”, critica o coordenador dos cuidados de saúde primários da Federação Nacional dos Médicos, João Rodrigues. Para Miguel Guimarães, a questão é muito simples: o que é preciso saber é se os doentes precisam ou não dos medicamentos. E há várias formas de verificar isto. “Mas os médicos não podem ser pressionados desta maneira”, reitera.

Fonte: Público, 22 de Maio de 2013

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