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Importância das plataformas de e-learning na formação contínua dos enfermeiros

Resumo

A formação em enfermagem está em mudança. As tecnologias da informação e comunicação surgem na formação como uma forma de desenvolvimento de saberes e de competências profissionais. Atualmente, o e-learning é uma das estratégias mais discutidas no domínio das novas tecnologias. O presente artigo tem como objetivos refletir sobre a utilização do e-learning e, consequentemente, compreender as perspetivas e a aplicabilidade desta forma de ensino na formação contínua dos enfermeiros. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Podemos concluir que o e-learning é uma excelente estratégia para ultrapassar barreiras geográficas, promover a autonomia e a aquisição de conhecimentos importantes para a melhoria da prática profissional dos enfermeiros. Tem efeitos positivos no conhecimento, habilidades e comportamentos dos profissionais de saúde, com reflexo direto nos cuidados de enfermagem prestados ao utente. No entanto, existem dificuldades e desafios relativamente ao e-learning, nomeadamente, diversos problemas técnicos e, ainda, dificuldades relacionadas com as características individuais e sociais dos enfermeiros, que devem ser tidos em consideração, para que possa ser uma estratégia de aprendizagem eficaz.

Palavras-chave: Formação contínua; enfermeiros; tecnologias da informação e comunicação; e-learning.

INTRODUÇÃO

A formação contínua é o processo pelo qual os profissionais de saúde se mantêm atualizados para prestar cuidados de saúde com qualidade e promover o seu próprio desenvolvimento profissional.

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) estão a originar um impacto significativo na formação e são um plano estratégico das organizações, no qual o aprender à sua medida, durante toda a vida e em todos os momentos, faz parte do plano de desenvolvimento pessoal e profissional de todos os colaboradores.

A Enfermagem é uma ciência em constante desenvolvimento, impondo aos profissionais um maior conhecimento, atualização e aperfeiçoamento das suas práticas. Deste modo, é imperativa a introdução de novas modalidades e alternativas de aprendizagem que possibilitem aos enfermeiros uma atualização contínua dos conhecimentos de forma a garantir a excelência na qualidade dos cuidados. Uma forma de se alcançar essa demanda crescente na área da Enfermagem é através da utilização da tecnologia da informação e comunicação em saúde (Matos et al., 2016). Neste âmbito, o e-learning tem sido adotado pelos enfermeiros como uma alternativa ao processo convencional (Bahrambeygi et al., 2019).

De facto, verifica-se um crescimento exponencial na utilização de estratégias de e-learning como forma de superar as necessidades de aprendizagem na prática clínica (Stevens et al., 2021). A pandemia causada pelo SARS-CoV2, de evolução imprevisível, é um exemplo vivo da necessidade constante e mutável de adaptação dos cuidados de enfermagem a novos contextos, da importância do planeamento e da gestão eficaz dos diferentes recursos disponíveis para a formação e, consequentemente, de desenvolvimento de uma resposta eficaz e segura face às exigências impostas.

Desta forma, é importante refletir sobre a importância do e-learning na prática profissional de enfermagem como uma estratégia de formação contínua e de melhoria da qualidade do cuidado. Neste sentido, é oportuno considerar as novas tecnologias disponíveis e aprofundar o conhecimento sobre a sua aplicabilidade, as suas vantagens e implicações na prática profissional dos enfermeiros.

O E-LEARNING NA FORMAÇÃO CONTÍNUA DOS ENFERMEIROS

Caracterização do e-learning

O e-learning é um conceito amplo. Do inglês electronic learning, este termo tem sido utilizado para referir uma modalidade de ensino e aprendizagem à distância, por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), com recurso a uma ampla variedade de designs e formatos. Em alguns, o e-learning surge como um suporte da aprendizagem presencial em sala de aula; noutros, surge num formato combinado (também chamado de blended learning –ou b-learning), com integração de experiências de aprendizagem presencial e aprendizagem online; por último, pode existir num formato totalmente online, sem incluir a aprendizagem presencial.

No e-learning, a aprendizagem pode ser individual ou colaborativa, síncrona – em tempo real, permitindo a interação entre formador e formandos e entre pares – ou assíncrona – em tempo não real, na qual os formandos trabalham de modo autónomo, acedendo a recursos educativos e outros materiais disponibilizados na plataforma de aprendizagem online ou na web (Algahtani, 2011; Garrison & Kanuka, 2004).

Cook (2005) propõe quatro componentes que caracterizam o e-learning: a) modo de entrega de conteúdo (por exemplo: texto, face a face, baseado no computador); b) configuração, ou seja, diferenças dentro de um determinado formato (exemplo: quadro de discussão baseado na web versus face a face; discussão em pequenos grupos, palestra); c) método de aprendizagem (exemplo: casos clínicos, questões de autoavaliação); d) apresentação (exemplo: hiperlinks, multimédia).

Tendo em consideração a multiplicidade e heterogeneidade de formatos, é importante compreendermos que vantagens e dificuldades podem existir na utilização do e-learning e, também, que desafios se colocam para se atingirem os resultados de aprendizagem necessários em contextos específicos.

Vantagens da utilização do e-learning

As mudanças que têm ocorrido na sociedade exigem um novo perfil de profissionais, criativos, capazes de entender e relacionar conhecimentos, assumir responsabilidades e trabalhar em equipas cooperativas, além de apresentarem capacidade para a autoaprendizagem, resolução de problemas, adaptabilidade e flexibilidade face a novas tarefas (Costa et al., 2018). A aprendizagem cooperativa, em equipa, não se esgota no interior das fronteiras de cada organização, funcionando em rede com o exterior, visando o desenvolvimento da economia do conhecimento e fomentando a competitividade e inovação (Lopes, 2011).

Vários estudos têm demonstrado as vantagens do e-learning, nomeadamente: benefícios para a aprendizagem dos enfermeiros, melhoria nos cuidados aos utentes e benefícios para o hospital (Stevens et al., 2021), através da redução do número de dias de internamento.

Ficou demonstrado que o e-learning melhora a confiança e autoperceção dos enfermeiros sobre habilidades e conhecimentos, resultando na aquisição e aplicação dos mesmos. Por exemplo, num estudo experimental não randomizado de Thorne et al. (2015) que comparou o treino de Suporte Avançado de Vida entre um programa baseado em e-learning e métodos tradicionais de aprendizagem em sala de aula, verificou-se que os participantes da versão de treino e-learning demonstraram resultados nos testes equivalentes aos do grupo tradicional.

Por outro lado, o e-learning contribui também para a melhoria da qualidade e segurança dos cuidados aos utentes. Isso é reconhecido pelos próprios profissionais em alguns estudos, nomeadamente na melhoria na segurança do utente sujeito a transfusões de sangue (Cottrell & Donaldson, 2013), na redução mensurável no erro de administração de insulina (Eyres et al., 2012), e ainda na melhoria da atuação na gestão da queda (Johnson et al., 2015).

Neste sentido, os hospitais também beneficiam com o e-learning, pelo facto de poderem padronizar e fornecer treino a um grande número de profissionais de uma maneira mais eficiente do que a aprendizagem tradicional (Stevens et al., 2021). Na realidade, o e-learning pode conduzir a mudanças departamentais na prática (Green & Huntington, 2017; Ilott et al., 2014). A formação das equipas por e-learning tem ainda potencial para redução de custos, o que se justifica pela menor necessidade de espaço em salas de aula, tempo disponibilizado pelo formador e disponibilidade de materiais (Ilott et al., 2014; Johnson et al., 2015; Wahl & Latayan, 2011).

Na última década, muitos estudos foram publicados indicando o impacto das TIC na formação dos enfermeiros. Morente et al. (2014) relataram a adequação do e-learning como instrumento eficaz para o ensino da avaliação e tratamento das úlceras por pressão e confirmaram o seu potencial impacto na tomada de decisão clínica do enfermeiro. De igual modo, Bahrambeygi et al. (2019) compararam os efeitos da educação baseada na web e a tradicional no conhecimento dos enfermeiros sobre cuidados ao utente com tromboembolismo venoso, concluindo que o ensino baseado na web é tão eficaz como o ensino tradicional em enfermagem.

O e-learning, como um fenómeno emergente, pode superar algumas das barreiras da educação tradicional com uma aprendizagem flexível. Atualmente é ainda um campo complexo e crescente de educação continuada para enfermeiros e tem muitas aplicações e contextos diversos aos quais pode ser aplicado (Rouleau et al., 2019).

Com a crescente presença de dispositivos digitais nos sistemas de informação em enfermagem, pensamos que é importante documentar a interação entre e-learning e os cuidados de enfermagem nas diferentes dimensões e ainda nos indicadores que avaliam a qualidade em saúde. Acreditamos que a compreensão das intervenções e-learning facilita a implementação de estratégias no âmbito da integração nos cuidados e ainda na gestão e investigação em enfermagem.

Isso é particularmente relevante, considerando as mudanças sem precedentes nos ambientes de aprendizagem afetados pelo SARS-CoV-2 e as restrições impostas pelo distanciamento social (Ronald et al., 2020).

Não obstante, se as vantagens do e-learning na formação dos enfermeiros parecem ser claras, é preciso compreender que dificuldades podem existir no seu uso.

Desafios na utilização do e-learning

O’Doherty et al. (2018) identificou algumas barreiras para o desenvolvimento e implementação da aprendizagem por e-learning: estratégias e suporte institucional, competências, recursos e atitudes.

Para que o e-learning seja uma realidade, é preciso que as organizações de saúde forneçam condições para a utilização de tecnologias da informação e que os gestores aprovem a sua utilização (Stevens et al., 2021).

Segundo Blake (2009), a falta de suporte aos profissionais para a aplicação de ferramentas de e-learning pode ser uma dificuldade relevante. O desenvolvimento de objetos de aprendizagem para e-learning requer tempo e recursos e alguns profissionais referiram falta de incentivo e recompensa pelo seu envolvimento, considerando o volume de trabalho associado.

Noutro prisma, é importante que os enfermeiros estejam abertos ao uso de e-learning como um método de educação, o que pressupõe que tenham algum nível de competência em informática e tempo suficiente para concluir os seus módulos de e-learning, sem distrações.

De facto, a literatura refere que os aspetos relacionados com a competência da utilização das TIC têm um maior impacto na experiência de e-learning do que os aspetos demográficos, como a idade, ou experiência clínica dos profissionais. (Blackman et al., 2014; Green & Huntington, 2017).

Segundo Regmi and Jones (2020), a conversão bem-sucedida do método de aprendizagem do curso por e-learning nem sempre é garantida, pois apresenta vários desafios, incluindo a qualidade dos conteúdos e o tipo/natureza de e-learning.

Curran et al. (2015) referem que o recurso ao e-learning pode não ser adequado para todas as disciplinas ou conteúdos. Os enfermeiros podem precisar de tipos de aprendizagem prática ou demonstrativa. Esta estratégia também pode criar alguns problemas de comunicação, bem como uma falta de dinâmica de grupo (Docherty & Sandhu, 2006; Gardner et al., 2016; Gensichen et al., 2009; Kitching et al., 2015; Regmi & Jones, 2020). Gardner et al. (2016) e Gensichen et al. (2009) revelaram algumas preocupações relacionadas com a profundidade e amplitude da aprendizagem, motivação, bem como a praticabilidade e eficácia.

O papel dos formadores nos modelos de e-learning também é referido como crucial, enquanto agentes facilitadores para apoiar não apenas a construção de conhecimento por parte dos formandos, mas também a aquisição de habilidades e competências (Regmi & Jones, 2020).

As dificuldades sentidas no uso do e-learning remetem-nos para os desafios de melhoria na utilização da tecnologia, ao serviço do ensino/aprendizagem.

Segundo Stevens et al. (2021), a utilização do e-learning pode ser otimizada se os enfermeiros tiverem tempo e espaço para a sua utilização; se existirem links diretos para os documentos utilizados; se as habilidades aprendidas nos módulos de e-learning puderem ser praticadas e se existirem oportunidades de aprendizagem presencial.

Os estudos sobre o uso de e-learning num contexto clínico revelaram que, para serem úteis num ambiente profissional, os programas de e-learning precisam de se adequar aos cronogramas individuais de trabalho e vida pessoal dos profissionais. Não devem exigir um compromisso de tempo muito grande, devendo estar facilmente disponíveis na internet e fornecer acesso a “pequenos pedaços de informação”, de forma gratuita (Dames & Handscomb, 2002).

Os programas de e-learning devem ainda atender a certos padrões em termos de conteúdo, design, relevância do tema, estar atualizados e fornecer informações específicas (Stevens et al., 2021).

Lister (2014) fornece dicas úteis para um design eficaz de módulos online, nomeadamente: variedade de formatos para oferecer opções e envolver as pessoas com diferentes estilos de aprendizagem; autenticidade e reflexão para promover coerência e significado e sustentar o interesse; atividades integradas de autoavaliação do formando para permitir feedback imediato.

A utilização de vídeos de interações com os utentes mostrou-se ser mais motivador para os participantes em formações e-learning, sendo um método mais atraente para promover a aprendizagem (Sharon et al., 2017). Neste sentido, os participantes devem poder interagir com o conteúdo para reter o conhecimento e aplicá-lo no ambiente de trabalho. Segundo Callinan (2020), o e-learning não deve ser um “arquivo de informações”; pelo contrário, deve ser o mais interativo possível e permitir a partilha de ideias.

Alguns autores defendem um conceito de e-learning híbrido ou combinado (Cottrell & Donaldson, 2013), ou seja, uma combinação de programas de e-learning autoguiados, seguidos por uma aprendizagem na prática. Este conceito também foi reconhecido por Curran et al. (2015), que realçou a importância de um modelo combinado para dar resposta às necessidades de aprendizagem dos enfermeiros. De acordo com Thorne et al. (2015), este modelo híbrido ou combinado proporciona aos participantes e às instituições os benefícios do e-learning, como conveniência e redução de custos, ao mesmo tempo que responde às necessidades de experiência prática dos enfermeiros.

Face ao exposto, é possível perceber que cada uma destas modalidades de e-learning possui vantagens e desvantagens. Contudo, são igualmente importantes na construção do conhecimento e na estruturação de ambientes virtuais de aprendizagem, potenciando o melhor de cada uma das estratégias utilizadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É amplamente aceite que os avanços nas tecnologias de informação e nos métodos de aprendizagem proporcionam oportunidades para criar ambientes de e-learning interativos, acessíveis, eficientes e flexíveis.

Após a pandemia provocada pelo SARS-CoV2, as organizações tiveram que adotar novas alternativas de comunicação e capacitação dos profissionais. A utilização de plataformas online permitiu que a formação tradicional fosse transformada em formação virtual e, a partir desse momento, o processo de educação à distância passou a adquirir maior relevância.

Embora o e-learning facilite o processo de aprendizagem, pode ser influenciado por vários fatores, incluindo tempo, flexibilidade, motivação e expectativas dos formandos, estratégias e recursos apropriados. Apesar de existirem dificuldades na implementação do e-learning na formação contínua dos profissionais de enfermagem, acreditamos que os obstáculos podem ser superados, de forma a otimizar os efeitos positivos desta ferramenta.

Como qualquer instrumento, é necessário a sua correta utilização. Nos trabalhos analisados, poucos abordam o uso de metodologias ativas de aprendizagem. Ainda existe uma tendência para que o e-learning seja uma extensão da formação tradicional para um contexto virtual, síncrono. O uso de metodologias ativas é de difícil implementação, implica conhecimentos informáticos e disponibilidade de tempo, para além de terem um preço elevado, tendo em consideração o custo de acesso às plataformas de desenvolvimento de conteúdos.

É importante que as organizações compreendam a vantagem desta ferramenta e criem as condições necessárias para o seu desenvolvimento e implementação. Isso implica investimento em sistemas de gestão de aprendizagem, software de desenvolvimento de conteúdos interativos e formação dos profissionais para que sejam capazes de utilizar o e-learning de forma adequada.

Não obstante, o termo e-learning deve ser entendido não só na vertente centrada na parte tecnológica, mas também valorizando o seu potencial pedagógico, na interação e na construção de aprendizagens significativas.

A transposição simples e direta dos conteúdos da formação presencial para um formato de formação à distância não é a solução adequada para criar cursos de e-learning com qualidade e suscetíveis de proporcionar resultados benéficos.

Os aspetos pedagógicos não podem ser negligenciados nos ambientes de aprendizagem baseados na web. A aprendizagem deve ser muito mais do que a simples receção de informação e aquisição de conhecimento. Neste sentido, a criação dos conteúdos deve basear-se em orientações pedagógicas e pressupostos específicos e inerentes aos fins a que se destinam.

Estas hipotéticas limitações inerentes à transmissão de conteúdos e à relação pedagógica justificam que o e-learning tenda a ser complementado com sessões presenciais, maximizando os proveitos e minimizando os prejuízos que ambos possam acarretar.

Independentemente da modalidade de aprendizagem online, o e-learning representa uma mudança paradigmática, não apenas para os formandos, mas também para os formadores e gestores.

No cumprimento do seu mandato social, cabe ao enfermeiro gestor conjugar as suas competências de educação, orientação, aconselhamento e liderança, no sentido de promover a disseminação da utilização das plataformas de e-learning na formação contínua dos enfermeiros, imperativa no futuro da profissão.

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