Artigo de Opinião de Isabel Constança Cachapuz Guerra
Atualmente não é possível falar de quase nada sem falar de Pandemia ou Covid-19.
Em menos de um ano, muito pouco continua como dantes. Isto é assim tanto em Portugal como no resto do mundo. Mas em Portugal, para além da Pandemia, temos visto instalarem-se contrastes, contradições e confusões que eram absolutamente evitáveis.
Em Outubro de 2019, eu médica especialista em Patologia Clínica, com muitos anos de trabalho tanto no Sistema Nacional de Saúde (SNS), como na Medicina Privada, com várias Pós-graduações directamente relacionadas com a minha especialidade e outras em Gestão em Saúde, membro activo em varias Associações e Sociedades Científicas Nacionais e Internacionais, autora de inúmeras publicações em revistas de especialidade em Portugal e além fronteiras, inicei um projecto profissional na Ásia, mais propriamente em Macau. Trabalhar durante um período fora de Portugal sempre fez parte dos meus objectivos, pois, acreditava e acredito que sair da nossa zona de conforto tanto a nível profissional como pessoal, só pode tornar-nos melhores. Seremos certamente profissionais com mais Know-How, pessoas com mais maturidade e sabedoria. A vivência fora de Portugal só me poderia tornar mais resiliente. Nunca eu imaginei foi que 3 meses após aqui chegar, a vivência em Macau fosse tão única e tao diferente do expectável … tal como toda a Humanidade, também eu não estava preparada para esta Pandemia.
Vivi e vivo a Pandemia focada no que se vai passando nesta região do globo, mas tenho acompanhado afincadamente a gestão da Pandemia no meu país, Portugal.
Aliás, mal o Covid 19 se instalou em Macau, tive o cuidado de conversar com vários colegas com cargos de Gestão em Saúde em Portugal, alertando-os para a perigosidade deste problema de Saúde Pública que aumentava de dia para dia. Não sendo alarmista, relatava-lhes informalmente o que por aqui se passava e que medidas eu considerava pertinentes e que eram aqui aplicadas com muita determinação e consequente sucesso.
Vou começar pela designação de Pandemia – termo usado para referir uma doença que se espalhou por várias partes do mundo de modo simultâneo, havendo uma transmissão sustentada da mesma.
Segue-se uma breve abordagem cronológica.
A Pandemia de COVID-19 espalhou-se oficialmente a Portugal a 2 de Março de 2020. Em 1 de Janeiro de 2020, o gabinete da Organização Mundial de Saúde (OMS) da China informa sobre mais de duas dezenas de casos de pneumonia de origem desconhecida detetados na cidade chinesa de Wuhan, na província de Hubei. A 23 de Janeiro de 2020, Macau confirma o primeiro caso da doença. Nesta altura, começou o isolamento da cidade de Wuhan ao mundo, com as autoridades de Saúde a cancelar voos e saída de comboios, Portugal anunciou que acionou os dispositivos de Saúde Pública e colocou em alerta o Hospital de São João no Porto e o Curry Cabral e Estefânia em Lisboa. Em 13 de Fevereiro de 2020, a OMS decide dar oficialmente o nome de Covid-19 à infeção provocada pelo novo coronavírus, entretanto designado por 2019-nCoV. A 29 de Fevereiro de 2020, a OMS aumenta para “muito elevado” o nível de ameaça do novo coronavírus. Em 3 de Março co de 2020, sao confirmados os dois primeiros casos em Portugal. O Governo português divulga um despacho a ordenar aos serviços públicos que elaborarem planos de contingência para o surto de Covid-19. A 12 de Marco de 2020, a OMS declara doença Covid-19 como Pandemia, alertando para aumento do número de casos e mortes e apontando “níveis alarmantes de propagação e inação”.
É sabido que as Pandemias graves aparecem a cada 50 ou 100 anos. É um pouco aleatorio quando chegam, mas o facto de aparecerem nao é surpreendente de todo. As Pestes não são novas para a nossa espécie, são parte da condição humana. São novas é para nós.
Em Portugal instalaram-se contrastes, contradições e confusões que eram absolutamente evitáveis.
Os decisores políticos deveriam ter consultado ad inicium Técnicos isentos a nível ideológico. A experiência dos profissionais de saúde que vivenciavam a Pandemia em Países onde esta estava mais exuberante deveriam ter sido ouvidos, aliás, a meu ver, teriam de ter sido consultados. Não houve qualquer preocupação nesse sentido. Não só do Governo, como também das Associações Profissionais Portuguesas às quais, por exemplo eu e os meus colegas pertencemos. A falta de partilha foi uma questão transversal ao país.
Com humildade, frontalidade, diálogo franco e transparente, deveria ter sido elaborado um robusto plano estratégico. Não houve o devido planeamento. As excepções a meu ver, eram muitas e com alterações diárias. A população nao acreditava que um grave problema de saúde pública se aproximava com toda a força.
Enquanto médica Portuguesa que tanto deu ao SNS e que actualmente trabalha na Asia senti-me não ouvida, triste e “quase”esquecida.
Em Portugal, houve contrastes que não se percebem porque foram completamente irracionais e irresponsáveis. A falta de preparação, bom senso e arrogância de quem manda chegou ao in extremis.
Os excessos poderiam ter sido evitados: quer os excessos de ajuntamentos, quer os excessos de proibições. Esse bom senso que não existiu respeitaria as pessoas e preservaria a economia.
A Saúde mental alertou para a condição de Fadiga Pandemica que tantos Portugueses atingiu e atinge. O pessoal que trabalha na área da Saúde está triste e cansado.
Portugal vai na 3. Vaga e relembro que “a variante Inglesa não é exclusiva de Portugal”. Não há desculpas.
Como médica , sempre estive e estou preocupada com as outras doenças não Covid, doenças crónicas, como por exemplo: Doença Renal Crônica, Doença Cardio-Vascular, Doença Oncológica, Doença Cerebro-Vascular, Patologia Cirurgica, … que, obviamente, terão pior prognostico e terão sequelas muito mais gravosas nos próximos anos.
“Resolver depressa” não era importante apenas pela questão economica, social, mas também pelo problema de Saude Publica Covid e não Covid.
Não quero ser alarmista, nem demagoga, mas há dados nacionais e internacionais.
As medidas restritivas foram insuficientes … deveriam ter sido mais, nas altura certa, por um período curto, antecipando a tendência. Sendo assim, com os mesmos recursos, com o mesmo dinheiro, o impacto seria muito menor.
Faltou Organizacao.
Faltou Lideranca pelo Exemplo.
A realidade (séria e difícil) deveria ter sido lida (e deve!) com humildade e capacidade de antecipação.
Relativamente ao Plano Nacional de Vacinação? Desde o início que o cidadão comum, o Português, olhou para este processo com grande desconfiança. Mais tarde, todos sabemos os episódios que surgiram, amplamente divulgados pela comunicação social e ao qual a comunidade internacional esteve sempre atenta.
A forma exuberante como o poder político festejou os primeiros milhares de vacinações, sabendo os Técnicos que a vacina não terá impacto, isto é, não influenciará a mortalidade da 2. e 3. Vagas da Pandemia, deixou-me ainda mais triste.
Para evitar excepções, deveria ter sido criada uma Lista de Suplentes. Por exemplo, se a vacina não poder ser dada por desistência ou doença súbita do receptor da mesma, a vacina jamais poderia ser inutilizada ou administrada a quem não era tido como prioritario nesse momento. Não prever isto foi criar o contexto perfeito para as excepções que houve.
Os Portugueses estão cansados e querem voltar às suas rotinas, mas os meus colegas e amigos médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, entre outros profissionais de saúde, sentem-se tristes, exaltados, envergonhados e nada reconhecidos. Mas,obviamente, nunca irão desistir.
Agora não há margem para quaisquer erros ou falhas na Gestão desta Crise Sanitária. Cada um de nós tem de cumprir escrupulosamente todas as regras. O combate ao vírus, por si só, já é dificil, árduo, penoso “quanto baste”.
Resta-nos aguentar que as novas medidas surtam efeito e a tempestade abrande. Infelizmente, não sem um avultado número de vítimas.
Termino afirmando convictamente … sim, podíamos ter evitado aquilo a que assistimos e estamos assistir actualmente em Portugal.
Dra Isabel Cachapuz revejo me nas suas palavras. Atualmente em Portugal os profissionais de saúde nao têm voz. O que me entristece. Tambem fiz mestrado em gestao servicos saude na UTAD em 2010, e sinto que deviam aproveitar meu Know-how…mas não é o que vejo.
No CHUPorto passamos por periodo dificil em Marco 2020, mas o espirito de grupo prevaleceu. Conseguimos dar resposta, com sacrificio pessoal e familiar da equipa, mas conseguimos.
Acontece que reconhecimento e valorizacao do capital humano nada se viu. Exceto a condecoracao da equipa de profissionais do CHUPorto condecorada pelo Presidente Republica. Em que a minha classe TSDT foi inaltecida pela condecoracao da Dra Ana Constança Mendes. Que a 2 Marco identificou o 1° caso de Covid em Portugal. No nosso lab Biologia Molecular.
Espero que se encontre bem. Ja nao nos vemos ha mais de 16anos…penso eu.
Beijinhos