Artigo da autoria de Vera Rodrigues – Gestora de uma unidade privada; Pós Graduação em Gestão em Saúde pela Católica Porto Business School
Começou há um ano o medo, as incertezas e dúvidas sobre a Covid-19. Algo que parecia tão longínquo, com origem no outro lado do planeta, logo se espalhou pelo mundo. Este facto, e faço este parêntesis, vem apenas provar o papel da globalização e o ritmo acelerado que todos nós vivemos no século XXI, com viagens de trabalho e lazer e um ritmo a “mil a hora” que agora percebemos, da pior forma, que nos pode matar ou alterar por tempo indeterminado os nossos hábitos diários.
Em inícios de 2020 o mundo, e Portugal, parou. As pessoas ficaram em casa, iam à noite à janela agradecer aos profissionais de saúde e tinham muito medo. Deixaram inclusive outras doenças e patologias avançar por falta de idas ao médico de rotina ou mesmo de acompanhamento para quem tem já uma doença diagnosticada.
Foi um ano diferente, pautado pela falta de planeamento na Gestão da Pandemia por parte das nossas autoridades e também falta de transparência nas informações prestadas.
Por outro lado, com a falta de resposta para essas patologias, muitos optaram por recorrer ao setor privado, despendendo recursos financeiros destinados a outras necessidades, mas que na altura eram mais prementes os cuidados de saúde. Com isto, muitos, que até então não valorizavam o Serviço Nacional de Saúde, onde é praticamente tudo gratuito, passaram a perceber o real custo da saúde, pois cada tratamento sai-lhes do bolso.
Como gestora de uma Clínica do setor privado, posso dizer que vivemos meses de medo, com profissionais de saúde a dedicar-se exclusivamente ao público na “frente de batalha” e a nossa equipa durante três meses reduzida ao mínimo. Foi uma alteração de rotinas, a implementação de hábitos de desinfeção, com pessoal destacado exclusivamente nessas funções de cada vez que um doente entrava num consultório e com distanciamento nas salas de espera. Era e é no entanto, e sublinho este ponto, crucial manter e respeitar sempre a dignidade e humanidade nunca negando o acompanhamento dos nossos pacientes pelos seus familiares, pois a parte humana deve sempre prevalecer e é nos momentos frágeis que mais precisamos dos “nossos”.
Com muitas alterações, e com todos os cuidados, os nossos pacientes ficaram cada vez mais confiantes no serviço que prestamos. Assim nos mantivemos, nunca baixando as guardas, com alterações nas rotinas dos colaboradores, como horários de almoços e lanches em escala para anular contactos sem proteção/máscara, com testagem semanal de toda a equipa, com máscara desde a primeira hora (há quase um ano que não nos lhes vejo o sorriso) e com a consciencialização de todos de que precisamos de nos manter unidos e saudáveis para continuar a prestar um serviço de saúde de confiança para quem não tem tido resposta num setor público que quase deixou de se importar com tudo o que não é Covid-19.
Em instituições privadas, e não esquecendo as diretrizes e normas impostas pelo Governo, há sempre mais autonomia nas decisões e no modo como gerimos a “nossa pandemia” e o que podemos fazer para continuar a prestar um serviço seguro e de qualidade sempre em segurança para todos.
Apesar destes esforços, e após várias tentativas, muitos profissionais de saúde exclusivamente do privado continuam sem vislumbrar uma data para a vacinação. Será que não prestam também um serviço importante? Será que não estão expostos ao vírus também? Será que os rececionistas não podem ser considerados linha da frente, quando afinal são eles que dão entrada do doente em qualquer instituição? Há vários critérios dos quais discordo, mas quando as coisas correm mal, críticas não faltam. No entanto, não se pode alhear o Governo de ficar muito aquém do expectável tanto na preparação para uma 2ª/3ª vaga como para a elaboração de um Plano de Vacinação, que a existir, nunca “sobrariam doses” – haveria no mínimo um grupo de suplentes, ou esses só servem na máquina do futebol?
Voltando ao SNS, do qual nunca tive queixas e que felizmente sempre foi uma resposta para mim e para os meus, o que as pessoas se deparam agora é que além de recursos humanos, começa a falta de materiais base, como seringas, espéculos, coisas básicas para a realização de um papanicolau por exemplo e mesmo vacinas inseridas no Plano Nacional de Vacinação para as crianças que se encontram esgotadas em centros de saúde.
Neste ponto, mesmo os que achavam que “não estamos assim tão mal”, perceberam que algo de muito errado se está a passar num país onde, apesar de nunca o valorizarem, tinha um SNS que dava resposta a todos e ninguém deixava de ser tratado porque não tinha seguro ou recursos financeiros, como acontece em países como os Estados Unidos. Com as carências no SNS evidenciadas em tempos de pandemia parece(-me) emergente uma injeção massiva de dinheiro de forma a apetrechar o SNS, para que este possa continuar, ou recuperar, a sua posição de pilar essencial da nossa sociedade.
Certo é que milhares de rastreios oncológicos, consultas de rotina onde muitas vezes são prescritos exames para despiste também ficaram e continuam a ficar por realizar e o preço a pagar ainda estará para vir nos próximos anos. É sem dúvida um enorme retrocesso em todos os indicadores de saúde que estavam a bom ritmo e é preciso atuar já para que não andemos sempre a ter uma postura reativa às crises, correndo atrás dos prejuízos vezes sem conta.
Num outro campo, da saúde psíquica e mental, a procura por ajuda tem disparado, o que é perfeitamente compreensível pois somos um povo de afetos, comunicativo, que gosta de um “cafezinho” com este e aquele várias vezes ao dia para duas de treta. Tudo isso está proibido, e privadas disso, as pessoas estão mais instáveis e agressivas.
Em relação ao que poderia ter corrido melhor, em minha modesta opinião, teria sido uma melhor abordagem de quem nos governa, informando-se e transmitindo de forma transparente e sincera as informações sobre o vírus, pois todo o processo tem sido de contradições quase diárias, assim como uma melhor preparação para o que aí vinha, ao invés de uma reação.
Já os portugueses, pelo oposto, creio que reagiram sempre muito bem quando “enviados para casa”, respeitando, no geral, o confinamento, mais no primeiro que no segundo, o que é natural pois todos começamos a ficar saturados disto! Vamos enlouquecendo lentamente até à Páscoa com a esperança que o Sol traga alguns momentos de papo para o ar, sem máscara e uma cerveja numa esplanada ao final de um dia de trabalho (no conceito que o conhecíamos até 2020 e não o teletrabalho que nos assombra).