O quadro de transferência de competências para os Municípios, concretizou-se com o Decreto-Lei nº 23/2019 de 30 janeiro, materializando a responsabilidade nas autarquias locais do planeamento e gestão dos investimentos em novas unidades de prestação de cuidados de saúde primários; da gestão dos trabalhadores afetos à carreira de assistente operacional integrantes das unidades funcionais dos ACeS. Passou também a responsabilizar o poder local da sua participação estratégica nos programas de prevenção da doença e promoção de estilos de vida saudáveis e envelhecimento ativo. Há, por isso, muito trabalho a desenvolver a nível autárquico na área da saúde. Não esqueçamos que a saúde é a maior preocupação dos cidadãos e que é previsível que no futuro as autarquias ganhem ainda mais preponderância na área da saúde. Em números, sabemos que a saúde representa cerca de 6% da despesa dos municípios, valor bastante inferior ao da média dos países da OCDE que é de 10%. Mas nem tudo passa apenas por investimento financeiro ou por números. É necessário continuar a investir em boas políticas públicas.
Do diploma legal de transferência de competências destaco os artigos 7º, 8º e 9º. O art. 7º refere-se aos documentos estratégicos em que “a Camara Municipal, (…) elabora ou atualiza a Estratégia Municipal de Saúde, devidamente enquadrada e alinhada com o Plano Nacional de Saúde e os Planos Regionais e Municipais de Saúde, submetendo-a a aprovação da Assembleia Municipal”. O art. 8º refere que cabe ao “Conselho da Comunidade do ACES assegurar a articulação em matéria de saúde com os municípios da sua área geográfica, promovendo o diálogo e envolvimento entre os municípios e os responsáveis do ACES”. Nos termos do nº 3 do artigo 9º, refere-se a criação em cada município do Conselho Municipal de Saúde. Este Conselho Municipal de Saúde, presidido pelo presidente da câmara municipal, é um órgão consultivo que tem como objetivo principal a participação na gestão do sistema de saúde e, de acordo com a Entidade Reguladora da Saúde, pretende-se que o Conselho Municipal de Saúde faça o acompanhamento do funcionamento do sistema de saúde do respetivo território; contribua para a definição de uma política de saúde a nível municipal; emita parecer sobre a estratégia municipal de saúde; emita parecer sobre o planeamento da rede de unidades de cuidados de saúde primários; proponha o desenvolvimento de programas de promoção de saúde e prevenção da doença; promova a troca de informações e cooperação entre as entidades representadas; recomende a adoção de medidas e apresente propostas e sugestões sobre questões relativas à saúde; analise o funcionamento dos estabelecimentos de saúde integrados no processo de descentralização objeto do referido decreto-lei; e ainda pretende-se que faça a reflexão sobre as causas das situações analisadas e que proponha as ações adequadas à promoção da eficiência e eficácia do sistema de saúde.
A administração pública portuguesa e em especial no sector da saúde, foi influenciada pela teoria de Weber e este modelo de organização originou o afastamento da participação dos cidadãos da elaboração das políticas de públicas de saúde. Aliás, esta reforma a que assistimos actualmente com a criação das Unidades Locais de Saúde (ULS), surge com influências dos modelos de governação da New Public Management e da Governance.
Ora, precisamente por estes motivos, considero oportuno os municípios convocarem os seus Conselhos Municipais de Saúde para exercerem a sua participação na gestão do sistema de saúde, mesmo que isso represente um grande desafio para os municípios. Faz todo o sentido que sejam realizados a nível local, ao nível autárquico. Talvez num futuro próximo, vamos assistir à inevitável presença, nos executivos autárquicos, de um perito em saúde pública ou em saúde comunitária e familiar. Com o aumento das responsabilidades em saúde, os municípios irão necessitar de dar mais respostas e de implementar mais políticas públicas nesta área, sendo inevitável ter na composição do seu executivo um Vereador com competências reconhecidas neste domínio.
Não tenho dúvidas que a descentralização na área da saúde poderá implicar algumas reformas nas autarquias. Será certamente necessário ter um pensamento estratégico sistematizado, para manter e desenvolver a capacidade de interlocução com outros agentes da saúde, desde logo com as ULS e com o SNS no geral, mas também com operadores privados e do sector social. Irá haver maior escrutínio público e político sobre a situação de saúde de cada concelho e sobre o envolvimento do respetivo município na sua participação na gestão da saúde do seu território.
João Gentil
Sinopse curricular do Autor:
Licenciado em Enfermagem
Estudante finalista da Licenciatura em Administração Público-Privada da FDUC
Enfermeiro Especialista em Saúde Pública
Certified Global Nurse Consultant – Specialty in Nursing Administration
Global Nurse Leadership Institute – ICN
Pós-Graduado em Gestão e Administração de Unidades de Saúde
Pós-Graduado em Gestão de Recursos Humanos
Pós-Graduado em Sistemas de Informação em Enfermagem