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A eHealth e a Insularidade

Artigo da autoria de Catarina Borges, Enfermeira na USISM, licenciada em enfermagem; Helena Tavares, enfermeira no HDES, licenciada em Enfermagem, especialista em Saúde Comunitária; Sara Amaral, Enfermeira no HDES, especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia; Sílvia Carvalho, Enfermeira na USISM, pós-graduada em Sexualidade.

Resumo
Definido pela OMS como a utilização das Tecnologias de Informação e comunicação no setor da saúde, o conceito de eHealth constitui-se como uma área em expansão, reconhecido pelo seu enorme potencial. Objetivo: Conhecer a recetividade da população açoriana relativamente à oferta de cuidados de saúde associados às ferramentas da eHealth. Método: Estudo do tipo descritivo-exploratório, de amostragem não probabilística por bola de neve, através da utilização de um questionário criado na plataforma Google Forms, cuja disseminação foi feita em cadeia, através das redes sociais. Resultados: A amostra foi constituída por um total de 526 participantes.
O desconhecimento sobre a oferta de consultas online é elevado com 78% (n-413). Destes, 80,4% (n-332) estão recetivos a estes cuidados. Dos respondentes que já conhecem serviços online na região (n-113), 21,2% já são utilizadores deste serviço. Conclusão: O contexto pandémico, que se vive atualmente, veio acelerar a implementação de soluções inovadoras associadas à eHealth, aumentando também a recetividade da população Açoreana a este tipo de cuidados de saúde. A eHealth poderá colmatar algumas das lacunas existentes no acesso aos cuidados nas ilhas Açoreanas, constituindo-se atualmente como uma janela de oportunidade para a reorganização dos serviços e da própria prestação de cuidados.

Introdução
Residir numa região insular, como os Açores, confere às suas populações, um sentido de vivência social distinto daquele de quem reside em grandes centros urbanos. Existem condicionalismos associados à dispersão geográfica e à realidade insular que a população açoriana vivencia. As carências a nível do acesso aos cuidados de saúde e a oferta disponível nas ilhas, leva a que muitos açorianos procurem no território continental português e por vezes no estrangeiro, ajuda para a resolução dos seus problemas de saúde. Os custos diretos e indiretos relacionados com estas deslocações, tem um impacto profundo ao nível social e financeiro, quer nas famílias, quer nas instituições governamentais.

O isolamento geográfico, o carácter idiossincrático das ilhas e a instabilidade climática condicionam, a acessibilidade aos cuidados de saúde. Se associarmos a estes condicionalismos a dificuldade em cativar recursos humanos ligados à área da saúde para ilhas mais pequenas, a dependência externa para cuidados de saúde especializados, a possível rotura de stock de materiais clínicos e a escassez de estruturas de saúde, então a acessibilidade aos cuidados de saúde poderá estar ainda mais comprometida. Esta problemática é reconhecida pelo Governo Regional dos Açores de tal forma que é referido no Decreto Legislativo Regional nº 28/99/A. O contexto pandémico, que se vive atualmente, veio acelerar a implementação de soluções inovadoras que permitem a continuidade da prestação de cuidados de saúde e que demonstram potencial como adjuvantes da sustentabilidade dos sistemas de saúde. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) incorporadas na prestação de cuidados de saúde já existiam antes da pandemia, porém esta potenciou não só a sua rápida integração, como a sua expansão para novas áreas como a saúde.
Por forma a mitigar os problemas anteriormente descritos e garantir uma cobertura de saúde mais ampla a todas as ilhas do arquipélago, as soluções oferecidas pela eHealth poderão constituir um suporte para a garantia da equidade na acessibilidade aos cuidados de saúde, bem como para a própria sustentabilidade do Sistema Regional de Saúde, minimizando os custos supra-citados.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005), eHealth pode ser definido como a utilização das TIC no setor da Saúde. Em 2005, o Observatório Global para a eHealth, fundado pela OMS, redefine o conceito como o uso das TIC de forma segura e economicamente viável para apoio na Saúde e em campos relacionados com a mesma.
Para Lapão (2018), as ferramentas associadas à eHealth podem ser utilizadas em três campos: no apoio à realização de diagnósticos e tratamentos; na monitorização de biometrias à distância e na teleconsulta, surgindo novos conceitos em saúde como a Telemedicina, a Telenfermagem e a Telemonitorização.
Para Ribeiro (2019), as ferramentas associadas à eHealth potenciam o acesso aos cuidados, permitindo cobrir populações distantes dos grandes centros urbanos, bem como as que habitam em meio rural. Esta premissa poderá ser válida no que concerne ao garante da acessibilidade da população açoriana a serviços de saúde inexistentes na sua ilha de residência e à sustentabilidade do Sistema Regional de Saúde.
Neste sentido, o tema deste artigo surgiu pela curiosidade das autoras em entender se a população açoriana estaria recetiva a receber este tipo de cuidados de saúde.
Assim, como ponto de partida para a compreensão desta problemática, elaborou-se a seguinte questão: Qual o conhecimento e a recetividade da população açoriana relativamente à oferta de cuidados de saúde online (eHealth)?

Metodologia
Utilizamos uma abordagem quantitativa, com um estudo do tipo descritivo-exploratório. A população alvo foram os residentes no arquipélago dos Açores. Foi utilizada uma técnica de amostragem não probabilística por Bola de Neve.
Elaborou-se um questionário na plataforma Google Forms, e a sua disseminação foi feita em cadeia, através das redes sociais. A aplicação dos questionários decorreu no período compreendido entre 02 e 17 de fevereiro de 2021, tendo respondido 526 participantes. Foram cumpridos os princípios éticos associados a um desenho de investigação com as características apresentadas.
O questionário dividiu-se em dois grupos de questões. O primeiro reporta-se às características sociodemográficas (idade, sexo, habilitações literárias e área de residência). E o segundo está relacionado com a dimensão do estudo (avaliar o conhecimento e receptividade em relação à oferta de cuidados de saúde online).

Resultados

Dos 526 participantes 75,3% (n-396) são do sexo feminino, 24,7% (n-130) do sexo masculino. Quanto à faixa etária, a predominante é a dos 35-44 anos 41,3% (n-217). Da amostra 64,4% (n- 339) possuem formação ao nível do ensino superior. Quanto ao local de residência a maior percentagem corresponde à ilha de São Miguel com 97,1% (n-511). Quando questionados relativamente ao seu conhecimento sobre a oferta de consultas online no arquipélago dos Açores, 78% (n-413) dos respondentes referem desconhecer. Dos que conhecem a existência de consultas online, cerca de 51,8% (n-87) não os utilizam por não sentirem necessidade. Relativamente aos respondentes que referem conhecer serviços online na região (21,5%) (n-113), apenas 21,2% (n-24) são utilizadores. Dos que que responderam desconhecer (78%) (n-413), a recetividade a estes serviços é elevada, com 80,4% (n-332) a afirmarem que os utilizariam se tivessem acesso.

Discussão de Dados
É evidente nesta análise que a população açoriana inquirida segue a tendência atual que se vive em todo o mundo, da integração das novas tecnologias na área da saúde. A grande percentagem de respondentes que utilizaria “cuidados de saúde online” caso os houvesse, evidencia a sua elevada recetividade a estes serviços. A dificuldade na acessibilidade aos cuidados de saúde poderá ter condicionado as respostas, na medida em que a população açoriana depara-se no seu quotidiano com diversos constrangimentos no acesso a cuidados de saúde. O horário de funcionamento dos serviços de saúde públicos, a escassez de recursos humanos na área da saúde nas diferentes ilhas e o não cumprimento dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG), são algumas das condicionantes ao acesso dos açorianos à saúde.
A pandemia veio agravar as fragilidades sentidas neste setor no arquipélago. As políticas de confinamento, o distanciamento social, o medo, as restrições na deslocação presencial às instituições de saúde e o reagendamento de várias consultas e atividades assistenciais, reduziram ainda mais o acesso. Foi evidente que uma grande parte do que diz respeito à prevenção e deteção precoce (rastreios) foi relegado para segundo plano, devido à reorganização interna de recursos humanos e à alocação de profissionais de saúde para as designadas áreas Covid.
Consideramos que a eHealth poderá colmatar algumas das lacunas acima descritas, constituindo-se atualmente como uma janela de oportunidade para a reorganização dos serviços e a própria prestação de cuidados. A procura dos serviços de saúde irá aumentar, sendo necessário desenvolver mais oferta a este nível, para que a população açoriana obtenha cuidados de saúde alternativos aos já oferecidos.
Como pode ser constatado pela percentagem elevada de respondentes que validaram a sua recetividade a esta tipologia de cuidados de saúde, uma mudança de mentalidade está a acontecer. Como refere Ribeiro (2019), a tecnologia digital tem muitas vezes a capacidade de agir como catalisador de mudança. A facilidade de realização de consultas à distância que as ferramentas associadas à eHealth garantem, estão a proporcionar a mais inesperada disrupção no modelo tradicional de prestação de cuidados, através da facilidade de acesso a uma consulta não presencial. Para o autor, seria elementar aproveitar o momento para repensar e recriar o conceito da prestação e gestão de cuidados de saúde.
A eHealth pode muito bem ser uma das ferramentas utilizadas no futuro para combater a insularidade e os condicionalismos no acesso aos cuidados de saúde que dela decorrem. A facilidade associada à sua utilização, combinada com o acesso virtual dos utilizadores, potencia a capacitação do utente para o autocuidado e monitorização contínua em qualquer lugar e hora relativamente à sua condição de saúde. (Ribeiro, 2019).

O segundo dado relevante do inquérito é o facto de 78,5% (n-413) dos respondentes desconhecerem serviços de saúde online. Este desconhecimento, poderá estar relacionado com a escassez de oferta destes serviços a nível da região. O que contraria a tendência mundial da expansão dos serviços de saúde digitais. Segundo Ribeiro (2019), a telemedicina está em grande expansão em todo o mundo, prevendo-se um aumento significativo da oferta destes serviços.
À data averiguou-se qual a oferta existente em termos de cuidados de saúde digitais na região, constatando-se que as empresas privadas apresentavam uma forte componente digital na sua apresentação ao público, no entanto, resumia-se apenas a dar a conhecer ao público a sua carteira de serviços, o seu corpo clínico e o agendamento de consultas presenciais. No que diz respeito à disponibilização de serviços online, eram escassos e seletivos na tipologia de cuidados oferecidos. Relativamente às entidades de saúde públicas, existiam intervenções pontuais e não sistematizadas.

Considerações finais
Nunca a tecnologia esteve tão presente no nosso quotidiano como agora. A situação pandémica veio acelerar, impulsionar e fortalecer a implementação do uso da eHealth na prestação de cuidados de saúde, contribuindo a sua utilização, em algumas situações, para garantir a acessibilidade e a continuidade na prestação de cuidados.
A pandemia abriu a fronteira da saúde digital tanto para profissionais como para utentes, generalizando a utilização das ferramentas associadas à eHealth e a sua aceitação, por todos os intervenientes.
A utilização da eHealth pode traduzir-se numa janela de oportunidade para todos. Para Ribeiro (2019), o tema da sustentabilidade dos serviços de saúde deverá ser repensado, uma vez que as capacidades digitais permitem não só monitorizar o desempenho das unidades, como rentabilizar os recursos existentes. A eHealth permitirá personalizar os cuidados, melhorar os resultados e diminuir custos, bem como fomentar alterações nos modelos de gestão no sistema e serviços de saúde. As novas tecnologias associadas à saúde estão a avançar muito rapidamente. Atualmente o telemóvel (smartphone) já é considerado uma ferramenta fundamental na vigilância da saúde e monitorização das doenças crónicas, através de APPS. É fulcral que nos adaptemos a esta evolução para tentar chegar a populações que devido à sua condição insular, nem sempre tem as mesmas oportunidades e acesso aos cuidados de saúde que almejam. Após a nossa análise, considera-se fundamental perceber qual o impacto futuro e expectável nos resultados e ganhos em saúde, na população com a utilização das ferramentas associadas à eHealth, assim como o impacto financeiro da sua implementação.
No nosso entender o conceito de eHealth em contexto arquipelágico é fulcral para melhorar a acessibilidade de cuidados de saúde às populações residentes em ilhas. Cada vez mais, o foco da saúde consistirá numa visão centrada nas pessoas com o suporte da tecnologia, tendo sempre em conta o balanço entre o contacto presencial e a utilização das ferramentas associadas à eHealth.
Atingir o equilíbrio entre o digital e o presencial é primordial neste processo, podendo-se transformar numa mais-valia a toda a população que sofre de condicionalismos no acesso aos cuidados de saúde.

Bibliografia
Lapão L. (2018). Digitalization of Healthcare: Where Is the Evidence of the Impact on Healthcare Workforce’ Performance. 2018. Disponível em: 10.3233/978-1-61499-852-5-646.
OMS. (2005) Global Observatory for eHealth. url: http://www.who.int/goe/en/
Região Autónoma dos Açores. Decreto Legislativo Regional nº 28/99/A. Diário da República, nº 177/1999, I Série A. Disponível em: https://dre.pt/application/conteudo/346705
Ribeiro, José Mendes (2019). Saúde digital: um sistema de saúde para o século XXI. Ensaios Fundação Franscisco Manuel dos Santos. Edição eBook.

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