Menu Fechar

UMA 1ª AVALIAÇÃO DO DOCUMENTO SOBRE O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE (SNS) APROVADO ONTEM EM CONSELHO DE MINISTROS

Considerandos iniciais

  1. Tendo em devida conta o estado do SNS nos últimos 30 anos que tem sido logicamente de altos e baixos até pelo seu modelo de financiamento extremamente dependente dos orçamentos de Estado, mas aceitando que a sua evolução global é negativa por ter vindo sucessivamente a perder capacidade de cumprir o estipulado na Constituição de forma eficaz e eficiente;
  2. Sabendo que houve ao longo do tempo muitas tentativas de melhorar o SNS embora se tenha verificado que algumas mudanças operadas não obtiveram os efeitos desejados por variadíssimas razões sendo que provavelmente a principal razão foi o não envolvimento diretos dos colaboradores operacionais do SNS nas mudanças julgadas relevantes;
  3. Tendo também em devida conta as alterações preconizadas pela atual Lei de Bases de Saúde que faz uma viragem política nítida atirando os setores privado e social para um apoio meramente supletivo e limitado no tempo embora a mesma ainda não tenha sido colocada em prática até aos dias de hoje;
  4. Olhando para o rombo causado no SNS pela pandemia que colocou a nu as inúmeras fragilidades do sistema de saúde com milhares de consultas e cirurgias em atraso sem capacidade de reposição rápida da normalidade;
  5. Por fim, e mais importante que tudo, sentindo a profunda desmoralização e desgaste daqueles que são os operacionais do sistema (os profissionais de saúde) e que se vem acentuando ao longo do tempo com a consequente fuga progressiva dos ativos mais importantes para outros setores da saúde e imaginando que a taxa de absentismo poderá chegar perto dos 25% no próximo inverno;

Constatamos que,

O documento apresentado é uma proposta de trabalho que só por si já é algo positivo embora pareça ter sido precipitado pela necessidade de entendimento com alguns partidos políticos para eventual aprovação do orçamento de Estado;

– As explicações dadas para que o mesmo tenha sido apresentado neste momento não são muito convincentes especialmente quando se explicita que “como o estatuto do SNS já tem quase 30 anos…” e quando não são revelados os estudos de impacto das políticas públicas ensaiadas ao longo desses 30 anos (se é que existem esses estudos que desconhecemos);

– O trunfo apresentado “uma Direção Executiva (DE) para gerir o SNS”, sendo algo que temos defendido ao longo dos anos com base numa análise comparativa com outros países com o mesmo tipo de financiamento e com uma extensa autonomia com responsabilização, poderá pecar por falta de enquadramento próprio na estrutura atual;

– Se a dita DE não tiver então total autonomia e responsabilidade para reajustar de forma incremental as estruturas atuais do SNS e não for constituída por elementos com elevadas capacidades e diferentes no pensamento daqueles que ao longo dos anos tentaram sem sucesso melhorar de forma global o SNS, então será mais uma estrutura – no meio de muitas a causar ruído sem qualquer efeito positivo, mas pelo contrário a tornar-se mais um ponto de fricção na engrenagem na máquina já instalada no terreno. Estes pontos são 

ABSOLUTAMENTE CRUCIAIS para que não seja mais uma mudança para que tudo fique na mesma a curto prazo e ainda pior a médio e longo prazo.

–  Que a nova Lei de Bases de Saúde aprovada em 2019 ainda não saiu do papel nem se imagina como vai funcionar na prática pois há setores essenciais que estão à espera de uma definição do governo;

– No documento em causa não há uma explicação concreta sobre a distinção de   responsabilidades entre esta DE e estruturas como a Administração Central dos Serviços de Saúde e o próprio gabinete do Ministro da Saúde, algo essencial para uma evolução positiva dum processo de mudança. Também não se compreende como este documento mantém os Sistemas Locais de Saúde com autonomia relativa, mas na direta dependência do ministro quando essas unidades de saúde terão um papel primordial de readaptação do SNS pois terão que ser cada vez mais a porta de entrada e a ligação contínua entre o cidadão e as estruturas de apoio à saúde e doença;

– Por fim o termo “Dedicação Plena” substitui o que sempre foi designado como “Dedicação exclusiva” sem que haja explicações concretas sobre esse facto assim como a descrita “excecionalidade” dada às unidades hospitalares para a contratação e realização de trabalho suplementar.

Neste documento não se percebe a pertinência da discussão do documento no meio das conversas sobre o orçamento e quando as forças representativas dos operacionais do SNS (profissionais de saúde e seus representantes) ainda não tiveram a oportunidade de conversar com a tutela sobre os seus problemas que têm anos de evolução.

Não se conhecem também quais os estudos de impacto das várias políticas públicas que foram delineadas e colocadas no terreno ao longo dos anos para se perceber a extensão do problema e se imaginarem modelos de resolução.

Fica-nos a possibilidade de podermos, em consulta pública, tentar dar algum contributo num documento que nos parece frágil para uma discussão sólida e com potenciais vantagens para os portugueses na área tão sensível que é a saúde de todos nós.

Miguel Sousa Neves

Presidente da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde (SPGS)

22 de outubro de 2021

1 Comment

  1. José Coelho

    Subscrevo, sem reserva, o que me parece ser o elemento crítico que pode levar a governação a perpetuar o erro e a incompetência: avaliar o trajecto já percorrido para identificar, claramente, o que resultou para repetir e o que falhou para evitar e corrigir é um princípio básico. O único senão é que este tipo de avaliação não tranquiliza, bem e pelas evidências que revela, a decisão política.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *