Erros que só não acontecem por sorte e receio de questionar as decisões de superiores hierárquicos. Embora o cenário não seja absolutamente negativo, os resultados de um inquérito-piloto da Direcção-Geral da Saúde revelam que existem lacunas por resolver no Serviço Nacional de Saúde no que toca à segurança dos doentes. Um dos mecanismos que visam minorar potenciais incidentes adversos – o Sistema Nacional de Notificação de Incidentes e de Eventos Adversos – foi anunciado em 2009 mas ainda não está implementado.
Os resultados do estudo piloto da DGS, realizado entre Maio e Setembro, foram apresentados esta semana numa reunião de trabalho com representantes dos hospitais. O inquérito, que no próximo ano deverá ser aplicado a nível nacional, baseia-se num modelo de 42 questões testadas e implementadas nos Estados Unidos em 2004. O objectivo é perceber a percepção dos profissionais de saúde das diferentes dimensões da segurança dos doentes, da capacidade de trabalhar em equipa à frequência com que os efeitos adversos são publicados. O problema dos incidentes na saúde, que podem incluir erro médico, negligência ou outras situações imprevisíveis com consequências para a saúde dos doentes, ganhou visibilidade este ano com um trabalho da Escola Nacional de Saúde Pública. Com base numa amostra de 1669 casos clínicos registados em 2009 em hospitais de Lisboa verificou-se uma taxa de incidência de eventos adversos de 11,1%, mais de metade evitáveis (53,2%) e a levar a um prolongamento dos internamentos, numa média de 10,7 dias, com custos acrescidos.
Factor sorte O trabalho da DGS abrangeu sete hospitais e teve respostas de 2447 profissionais, uma taxa de participação de 11%, quando foram enviados21 985 pedidos e lembretes a cada dez dias, lê-se na apresentação, publicada ontem. Enfermeiros e médicos representam mais de 50% dos inquiridos e 82% dos profissionais dizem interagir directamente com o doente. A forma como vêem a segurança dos utentes pode por isso ser desconcertante: embora 57% entendam que os procedimentos são eficazes na prevenção dos erros, 64% concordam que “é apenas por sorte que erros mais graves” não acontecem no seu serviço.
Apesar de 45% classificarem a sua unidade como “muito boa” em termos de segurança, 49% admitem que “sempre que existe pressão” o superior hierárquico quer que se trabalhe “mais rapidamente, mesmo que isso signifique usar atalhos”. Dois terços concordam que o superior não dá atenção “aos problemas relacionados com a segurança do doente, que ocorrem repetidamente” e 58% dizem mesmo que “os profissionais têm medo de levantar questões quando algo parece não estar certo”. Um dos problemas parece estar na comunicação: 65% concordam que é muitas vezes desagradável trabalhar com colegas de outros serviços e 62% que “informação importante” se perde com frequência nas mudanças de turno.
Lesões e readmissões são incidentes frequentes
lll Apesar de ainda não existir uma notificação de incidentes adversos a nível nacional, um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública publicado em Maio traça um retrato ilustrativo: num hospital com 17 mil internamentos ano, há cerca de 944 eventos adversos evitáveis, que significarão 10 mil dias de internamento acrescidos (nos EUA estima-se que só esta rubrica represente uma despesa de 17 a 29 mil milhões de dólares por ano).
Segundo o trabalho da ENSP, disponível online, as situações mais frequentes entre as que podem apontar para eventos adversos são lesões durante o internamento (quedas, queimaduras ou úlceras de pressão), readmissões não planeadas, infecções hospitalares ou reacções a medicamentos. A maioria dos incidentes confirmados corresponde a doentes com mais de 65 anos. Num total de 186 eventos adversos registados em três hospitais de Lisboa, em 2009, os autores da ENSP concluem que em 61% os danos foram nulos ou mínimos para o doente, tendo sido registadas 20 mortes.
Fonte: Jornal i, 25 de Novembro de 2011