A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) concluiu que a actuação do presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) foi “objectivamente ilegal” no caso do accionamento de um helicóptero para transporte de uma doente terminal do hospital de Cascais para o de Abrantes. O major e médico Paulo Campos deve, assim, ser alvo de procedimento disciplinar por “violação do princípio do interesse público”, defende.
Não foi possível perceber se o ministro da Saúde vai ou não demitir o major, tendo em conta as conclusões da IGAS. O gabinete do ministro adianta apenas que Paulo Macedo vai pronunciar-se sobre esta matéria “em tempo oportuno”, até porque está “dentro do prazo legal para tomar as decisões sobre o processo em causa”, prazo esse que “vai até meados deste mês”.
Para a IGAS, a conduta do presidente do INEM neste caso – Paulo Campos visitou em Janeiro a doente na qualidade de amigo da família e pediu o seu transporte de helicóptero – foi “contrária aos princípios gerais da ética e da boa gestão”. Nas conclusões do processo de averiguações, a inspecção enfatiza que, “em função de um apelo particular, foi privilegiada uma doente sem que tal excepção fosse devidamente fundamentada e autorizada”.
Mais: “Foram disponibilizados bens públicos/meios de emergência/recursos escassos e altamente diferenciados, com prejuízo do interesse público, e com custos associados ao accionamento do heli-transporte e equipas”. Por tudo isto, frisa, a sua conduta “é determinante de procedimento disciplinar por ser contrária aos princípios gerais da ética, da boa gestão, por violação do princípio do interesse público, bem como por violação do princípio da especialidade”.
Em Agosto, o Jornal de Notícias já tinha avançado que a IGAS tinha detectado “irregularidades” na conduta de Paulo Campos. Mas nessa altura o Ministério da Saúde assegurava que estava a aguardar por mais elementos (o Hospital de Abrantes ainda não tinha concluído o inquérito interno) para poder tomar uma decisão sobre o presidente do INEM.
À frente do INEM desde Março de 2014, Paulo Campos incompatibilizou-se com vários profissionais, alguns dos quais pediram a demissão, e as denúncias de situações polémicas foram-se sucedendo. O caso do helicóptero originou o segundo processo de averiguações que lhe foi instaurado no espaço de poucas semanas. A doente em causa foi transferida de helicóptero do hospital de Cascais para de Abrantes em 25 de Janeiro e foi Paulo Campos quem deu a ordem, apesar de a unidade de Cascais não ter pedido o seu transporte com este meio (mas apenas com uma ambulância) e de as normas do INEM não preverem o transporte de um paciente em estado terminal desta forma.
Divulgado pela SIC e pelo Jornal de Notícias, este caso desencadeou grande controvérsia: com um cancro de pulmão, a doente recebeu a visita do presidente do INEM no Serviço de Observações da urgência do Hospital de Cascais, onde estava desde o dia anterior. Nesse altura não havia ali vaga nos cuidados intensivos e foi Paulo Campos – que nesse dia se apresentou no hospital como médico assistente da paciente – que deu conta da existência de vaga em Abrantes e autorizou o accionamento do helicóptero de emergência médica.
Paulo Campos já tinha sido alvo de outro processo, que foi arquivado pela IGAS. Em Agosto passado, soube-se que a inspecção não detectou irregularidades e arquivou, por falta de provas e porque o socorro não foi posto em causa, o inquérito sobre o alegado desvio de uma ambulância para que a mulher de Paulo Campos (que faz turnos como enfermeira da viatura de emergência de Gaia) conseguisse chegar a horas ao hospital em que trabalha.
Nessa altura, a IGAS alegava não ter sido possível recolher uma série de de informações sobre o caso do transporte de helicóptero e o ministro Paulo Macedo anunciou então que tinha ordenado que a investigação prosseguisse para poder decidir o que fazer.
O PÚBLICO pediu esta quarta-feira uma reacção ao INEM, mas a assessora de imprensa limitou-se a dizer aquilo que já tinha dito em Agosto: “O presidente não se pode pronunciar sobre algo de que não tem conhecimento”.
Quando este caso foi divulgado, a versão apresentada pelo INEM foi a de que “a doente [em causa] estava em estado crítico, sem definição concreta de prognóstico” e que nessa altura “a grande maioria” dos hospitais do país “encontravam-se superlotados”. Foi nesse contexto que foi pedido ao presidente “parecer sobre o pedido de transferência dessa doente para o Hospital de Abrantes, uma vez que aquela unidade hospitalar possuía cama livre em Serviço adequado”.
Paulo Campos “autorizou que fosse despoletado pelo CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes] o procedimento de activação de transporte secundário, cumprindo”, assim, a lei, enfatizou o INEM. Apesar de ser doente crítica, acrescentou, a paciente “tinha potencial de sobreviver e, por isso, tinha direito a “um transporte secundário sem perda de patamar de cuidados médicos” e “seria inaceitável” ter-lhe negado o transporte.
Fonte: Público, 8 de outubro de 2015
Do ponto de vista estritamente humano, concordo que um doente terminal possa morrer ou despedir-se dos seus familiares no local onde pertençe e viveu. Quanto ao resto…