Miguel Sousa Neves
Presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde
Vivemos uma situação grave na SAÚDE, talvez a maior desde que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi criado e isto não pode ser escamoteado aos portugueses sob o pretexto simplista de lhes poder causar medos irracionais ou acréscimo de patologias do foro mental. Todos nós somos suficientemente crescidos para perceber a verdade quando a mesma é contada com honestidade intelectual e quando lhes é apontado um caminho em que possam acreditar.
Portugal apresenta neste preciso momento mais mortes por Covid-19 entre os países europeus com idêntica densidade populacional, alguns milhares de profissionais de saúde infetados, um aumento crescente de casos positivos, internamentos em hospital e em unidade de cuidados intensivos, centros de saúde sem resposta e um aparente descontrole total das cadeias possíveis de transmissão do vírus. Esta é a verdade que os portugueses precisam de saber.
O problema é que a maioria dos portugueses não sabe onde estamos, para onde vamos e como nos vamos libertar desta calamidade que nos afeta. E é esta incerteza que gera desânimo, medos e uma desconfiança real sobre quem decide neste momento.
Nesta guerra amplificada diariamente pela sociedade de informação apresentamos então chefias confusas e aparentemente extenuadas, mas muito longe de serem derrotadas pois o SNS mostrou uma resiliência fora do comum nos primeiros meses e a maioria dos seus profissionais de saúde soube enfrentar a crise com uma vontade incrível de cuidar dos seus semelhantes.
No entanto e desde essa altura que não faltaram avisos a uma 2ª vaga que poderia ter consequências ainda piores. Nesses meses seguintes de Verão e de aparente acalmia faltou preparação antecipada e criteriosa por parte de quem decide no topo embora louvemos aqueles gestores hospitalares como no Centro Hospitalar de S. João e muitos outros que sem esperar por vozes de comando se foram municiando de muito do que poderia ser útil num futuro próximo.
ENTÃO O QUE NOS FALTA A TODOS NÓS PARA VENCERMOS ESTA GUERRA?
- Precisamos primeiro de uma LUZ E DE UM CAMINHO que possam ser apresentados de forma eficaz aos portugueses para que a luta seja mesmo de todos nós.
E não é só a guerra imediata da pandemia que temos que travar como também, e mais importante que tudo, evitarmos a todo o custo um contínuo aumento do agravamento de doenças e mortes por outras patologias. É importante que os portugueses percebam que neste ano houve milhares de rastreios de cancro que não foram feitos assim como cerca de 5 milhões de consultas em presença física em falta e milhares de cirurgias. Uma grande parte dos portugueses já sentiu que o acesso aos seus centros de saúde está dificultado e que a população mais vulnerável está a sofrer no corpo os pesadelos deste surto pandémico.
2. Necessitamos depois de explicar claramente a todos os portugueses o que cada um deve contribuir para acabarmos rapidamente com a pandemia.
Para isso temos de ter honestidade intelectual e sermos eticamente corretos para criar a empatia necessária para uma envolvência de todos. Temos de uma vez por todas acabar com a incoerência das mensagens e sinais que passam todos os dias e que dinamitam a confiança dos portugueses pois parece que estamos perdidos no meio da floresta em que nenhum e todos os caminhos servem.
Os portugueses perceberão muito bem o que cada um pode fazer para que todos possam ganhar neste momento difícil das nossas vidas sem chicotes nem regulações sem nexo de peso ou medida. E ISTO É ESSENCIAL PORQUE SEM TODOS NÃO SEREMOS NADA.
3. Precisamos também de acabar com as intermináveis guerrinhas pessoais e de grupo que continuam a querer controlar interesses e dirigir assuntos que pouco ou nada percebem e delegar numa pequena equipa de topo (a tal “task force”) que atue imediatamente no terreno com a autonomia necessária para motivar os ativos que temos e construir pontes e parcerias em rede entre serviços do SNS e mesmo fora de forma a conseguir manter um controlo da situação pandémica que não degenere em muitas mais mortes e situações de crise que possam de facto levar a situações de pânico e mesmo violência na população.
O que a população precisa de ver são medidas concretas que controlem a pandemia e ao mesmo permitam uma rápida reativação do acompanhamento e tratamento de todas as outras doenças que matam muito mais que o vírus em causa. Não podem haver preconceitos entre os vários setores da saúde e todos são úteis no momento difícil que atravessamos e que queremos que passe com o menor número possível de danos colaterais.
4. Depois temos de HOJE, e porque estamos muito fora da nossa zona de conforto, começar a preparar o futuro pós-COVID. Por força das circunstâncias e eventuais apoios externos teremos uma oportunidade única de reconstruir um SNS forte e que possa continuar a cumprir a Constituição Portuguesa.
Ao longo dos anos fomos assistindo a tímidas reformas e paletes de leis e regulamentações para melhorar o sistema de Saúde. E se estamos incomparavelmente melhor que há 30 anos atrás, corremos sérios riscos de acordar mais tarde com um SNS fraco e de amparo apenas para os mais pobres e desfavorecidos. Então temos que assumir que o que foi feito está muito longe de ser o que queremos para todos os portugueses e não poderemos culpar unicamente o tal subfinanciamento crónico de vários anos.
Pensemos um pouco: para além da retórica habitual quando é que colocámos o paciente no centro das decisões? E se estamos a falar das estruturas hospitalares que são as empresas mais difíceis de gerir pelo seu inerente princípio de incerteza e inúmeras externalidades quando é escolhemos os líderes mais capazes para assumir a gestão deste complexo tão difícil? E se em todas as empresas de sucesso os colaboradores estão amplamente motivados porque é que na Saúde a maioria já não consegue vestir a camisola? E porque é que os portugueses já pagam do seu próprio (e magro) bolso cerca de 30% das suas despesas de saúde? E também nunca nos devemos esquecer que os desafios que temos de enfrentar hoje não podem ser superados com o nível de pensamento do contexto em que foram gerados ao longo do tempo.
Então é preciso mudar: mudar para que nada fique como dantes!
5. Por fim temos forçosamente de profissionalizar o SNS separando-o do crivo constante do Ministério da Saúde.
O poder político e executivo deve assumir com coragem e sagacidade a criação de uma pequena estrutura autónoma e responsabilizada de topo com uma liderança forte, preferencialmente com conhecimentos clínicos e preparação robusta em gestão de saúde, a quem deve confiar a administração do SNS num espaço de tempo para além de uma legislatura e que possa ir aos poucos reconstruindo/reformando o sistema de saúde tendo sempre em devida conta os seus ativos mais importantes criando condições para remunerações adequadas e a valorização das suas competências pela introdução efetiva da avaliação de desempenho pelo VALOR acrescentado.
Gerir a trajetória de todos nós desde que nascemos até à nossa morte é o core business da saúde.
Sem demagogia e ideologicamente isentos nos cuidados a ter pelo nosso bem mais precioso: a nossa saúde, aqui estamos juntos neste manifesto que pretende ser uma contribuição ativa e decisiva para todos os portugueses.
Um texto da Direção da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde