Os três canais de televisão abriram ontem os noticiários das 20.00 horas com notícias sobre saúde, ou melhor, sobre o estado de doença do Serviço Nacional de Saúde (SNS), por causa das listas de espera nos hospitais e dos transplantes.
A história diz-nos que foi precisamente assim, por causa de histórias como estas, que começou o princípio do fim de António Correia de Campos à frente do ministério da Saúde.
O actual ministro Paulo Macedo sabe bem que a saúde não tem preço, mas tem custos. E custos que são suportados por mais e mais impostos. E foi com base na necessidade de cortar nos custos que definiu um conjunto de medidas – suportado por um memorando da ‘troika’ – destinado a tornar o SNS sustentável. Como o Diário Económico referiu na edição de ontem, num excelente trabalho da jornalista Catarina Duarte, 2011 foi o ano em que a Saúde foi ao médico. E o diagnóstico foi claro: a transparência que o novo ministro decidiu impor às contas do seu ministério revelou uma dívida acumulada de três mil milhões de euros.
O problema, de difícil resolução, é precisamente como tornar o SNS financeiramente sustentável sem pôr em causa a prestação de cuidados de saúde à população, tanto mais necessários quando se sabe que os cortes no rendimento disponível das famílias portuguesas vão levá-las a ‘abandonar’ os hospitais privados e a procurar, outra vez, os hospitais públicos. O SNS foi das maiores conquistas da Democracia portuguesa, mas, à semelhança do que se chama de Estado social, só poderá cumprir os seus objectivos se se pagar, se os portugueses gerarem a riqueza necessária para o pagar. Um exemplo: os cortes no SNS em 2012 chegam a 7%, mas já se sabe que o défice do ano vai ser de 200 milhões de euros.
Ora, Paulo Macedo é, claramente, até agora, dos melhores ministros deste Governo, ‘mexeu’ com interesses instalados e tocou em todos os sectores que vivem em torno, e à custa, da Saúde. Mas precisa de saber que não chega ser um ministro-gestor, não basta tomar as melhores medidas, é necessário que os portugueses as percebam, as entendam, e as defendam, como meio para garantir um fim, um SNS eficiente e eficaz. E, até agora, isso não tem sido claro.
Muitas das medidas já anunciadas, como o aumento das taxas moderadoras que, sublinhe-se, representam apenas 2% da receita do sector, ainda não estão no terreno e, por isso, os utentes ainda não sentiram os seus efeitos. Mas já é notório que o ministro da Saúde entrou no radar das críticas, organizadas ou não, dos interesses e dos lobbies.
Fica a lição da história que ‘atirou’ Correia de Campos para a rua, com a cumplicidade, aliás, do actual Presidente da República, Cavaco Silva, e que interrompeu um trabalho que, de alguma maneira, está agora a ser retomado por Paulo Macedo. É possível fazer reformas contra os lobbies, mas não é possível fazê-las contra as pessoas, porque, se assim for, as aberturas de noticiários vão suceder-se. E já se pode antecipar a consequência.
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António Costa, Director
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Fonte: Económico, 29 de Dezembro de 2011