A Ordem dos Médicos vai criar uma comissão que estude alternativas ao actual sistema de baixas. O objectivo, segundo explicou ao PÚBLICO o bastonário da Ordem dos Médicos, é fazer chegar à tutela algumas propostas que responsabilizem mais o cidadão, “introduzam transparência” e que evitem o “enorme” número de baixas que continuam a ser levantadas todos os anos pelas juntas médicas: só este ano já são quase 45 mil.
O bastonário José Manuel Silva refere que a Ordem dos Médicos pretende “criar um grupo de reflexão sobre atestados e baixas” que deverá encontrar soluções para evitar o estigma que recai sobre os médicos de família quando uma baixa é levantada por uma junta médica.
A ideia, acrescenta o mesmo responsável, passa por criar um organismo autónomo que “em tempo útil verifique a existência da doença e responsabilize mais os cidadãos”.
José Manuel Silva exemplifica: muitas vezes, “há tempos completamente diferentes” entre o momento em que o médico passa uma baixa e a altura em que esse mesmo doente é visto por uma junta médica. “Nem todas as baixas têm fundamentos clinicamente objectivos e que podem ser comprovados com exames complementares de diagnóstico. Muitos doentes cuja baixa é levantada se calhar melhoraram com o repouso ou não são analisados na sua globalidade”, disse. No ano passado foram cerca de 67 mil as baixas levantadas e este ano o número já chega quase às 45 mil. Em 2010, a poupança chegou aos quatro milhões de euros.
Ainda assim, o bastonário reconhece que há efectivamente situações de baixas que não deveriam existir. “Há uma pressão enorme sobre o médico de família, que nem sempre tem facilidade em comprovar as queixas dos doentes que vê regularmente e com quem tem uma relação de confiança. Funciona um pouco como nos tribunais e, em caso de dúvida, beneficia-se o doente. Por exemplo, não há aparelhos que meçam a dor e acabamos por ter de acreditar no doente que temos à nossa frente e que diz que mal consegue andar com uma dor nas costas”, acrescentou.
Verificar em vez de atestar
Para José Manuel Silva a criação de um organismo independente e com capacidade de agir em tempo útil numa perspectiva de “verificação” das situações de baixa “retiraria pressão do Serviço Nacional de Saúde e dos médicos e responsabilizaria mais os doentes”, já que as situações de mentira por parte dos cidadãos implicariam punições.
“Ainda não há ideias concretas fechadas. Para isso é que vamos criar uma comissão. Mas temos a percepção de que é necessário esse tal organismo independente do Estado, dos trabalhadores e dos patrões e a quem todos possam recorrer e pedir para verificar as situações. Acredito que desta forma haja maior ponderação e sentido de responsabilidade nas queixas dos doentes”, reiterou.
A ideia surge na sequência de algumas mudanças que a Ordem dos Médicos gostaria de ver reflectidas em termos de atestados médicos e que José Manuel Silva avançou ao PÚBLICO em Outubro. Na altura o bastonário explicou que irá apresentar ao Ministério da Saúde nos próximos meses uma proposta que passa por reduzir o número de situações em que é necessário atestado médico.
Em casos como gripes, constipações ou enxaquecas, basta que sejam os cidadãos a assinar uma declaração em como estão ou estiveram doentes. E se a entidade patronal tiver dúvidas, deve poder accionar um mecanismo rápido para mandar uma junta médica a casa do trabalhador.
“Se um trabalhador liga a dizer que está doente, se o empregador o conhece e tem confiança nele, aceita e considera a falta justificada. Quando tiver dúvidas, tem de ter um mecanismo para accionar a ida a casa de uma junta médica”, explicou na altura o bastonário, considerando que uma situação de mentira poderá então conduzir a um despedimento por justa causa.
Fonte: Público, 14 de Novembro