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OMS alerta que pagamentos directos adiam ida ao médico

A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que os pagamentos directos dos serviços de saúde no momento da sua utilização podem ter graves repercussões para as pessoas, não permitindo a equidade no acesso. A ideia faz parte de um relatório publicado há um ano pela OMS, mas o aumento das taxas moderadoras decidido agora em Portugal pelo Governo vai precisamente em sentido contrário.

Uma portaria conjunta dos ministérios das Finanças e da Saúde, publicada ontem em Diário da República, e que entra em vigor no dia 1 de Janeiro, introduz vários aumentos nas taxas moderadoras, tanto para os centros de saúde como para os hospitais. Qualquer cuidado de saúde prestado por um enfermeiro no âmbito dos cuidados de saúde primários terá um custo de quatro euros para os utentes que não estão isentos e de cinco euros nos hospitais. A taxa moderadora das consultas de medicina geral e familiar mais do que duplica, passando de 2,25 euros para cinco euros. Já pedidos como a renovação de receituário, que se incluem na chamada “consulta médica sem a presença do utente”, passam a custar três euros.

As consultas de especialidade passam a ter uma taxa moderadora de 7,5 euros e de dez euros no caso de ser uma consulta ao domicílio (antes era de 4,80 euros). Ainda no campo hospitalar, as urgências também sofrem aumentos pesados, como tinha vindo a ser anunciado pelo Governo. Um serviço de urgência polivalente passa de 9,60 para 20 euros, as urgências básicas e as urgências médico-cirúrgicas passam de uma taxa moderadora de 8,60 euros para 15 euros e 17,5 euros, respectivamente.

No entanto, estas medidas vão no sentido oposto ao sugerido há um ano pela OMS, num relatório dedicado ao financiamento dos sistemas de saúde, que fez um retrato da actual situação e deu pistas para que a existência de uma cobertura universal passe a ser uma realidade. “Os pagamentos directos têm sérias repercussões na saúde. Fazer com que as pessoas paguem no momento da utilização desencoraja-as a usarem os serviços (particularmente os de promoção da saúde e prevenção) e encoraja-as a adiar um check-up. Isto significa que não recebem o tratamento cedo, quando as possibilidades de cura são maiores”, lê-se no documento da OMS.

A organização estima que uma grande parte dos 1,3 mil milhões de pobres em todo o mundo não tenha acesso aos serviços de saúde “simplesmente porque não tem possibilidade de os pagar quando precisam deles”. E alerta que estas pessoas ficam, mais tarde, demasiado doentes para trabalhar – o que ainda agrava mais a sua situação de pobreza.

A OMS salienta mesmo que quanto mais pobre é o país maior é a proporção de despesas pagas directamente às unidades de saúde, mas destaca que mesmo nos países mais ricos e desenvolvidos não se pode falar de uma cobertura a 100% da população, nomeadamente devido ao número de serviços disponíveis, aos custos e às listas de espera. Ainda assim, esclarece que “uma cobertura para todas as pessoas não significa necessariamente uma cobertura para tudo”.

Reduzir desperdício

Para ultrapassar a necessidade de se introduzirem pagamentos no local de consumo ou taxas moderadoras, estas últimas como acontece em Portugal, a OMS aconselha que se reduza o desperdício e dá exemplos de como os países poderiam lucrar mais subindo as taxas em produtos como o tabaco e o álcool (com o duplo benefício de se reduzir o consumo de bens prejudiciais à saúde) ou cobrando mais taxas nas transacções internacionais e em pagamentos, como bilhetes de avião.

Entre 20% a 40% do dinheiro investido em saúde é desperdiçado, informa o relatório. “Num momento em que o dinheiro escasseia, o conselho para os países é o seguinte: antes de procurarem onde cortar os gastos com assistência médica, há que procurar opções que melhorem a sua eficiência”, refere a directora-geral da OMS, Margaret Chan, numa mensagem introdutória do documento, em que se defende que a alocação de verbas para a saúde seja feita preferencialmente pela via dos impostos, isto é, em sede de IRS, o que permite adequar o que é descontado ao vencimento.

A este propósito, o relatório assegura que, mudando apenas as actuais formas de gestão hospitalar, seria possível aumentar a produção em 15% sem ser necessário gastar mais verbas, criticando a dependência excessiva do pagamento directo dos serviços e a utilização abusiva das unidades hospitalares em detrimento de serviços, como os cuidados de saúde primários. Motivar e incentivar os profissionais de saúde e basear a prática em estudos epidemiológicos e em evidência científica são algumas das recomendações feitas pela OMS, que defende que as mudanças implementadas devem ser suportadas por estudos e que devem, depois, ser monitorizadas para que os resultados finais possam ser analisados e para que sejam feitos ajustamentos.A OMS aponta o sector do medicamento como um dos que mais precisa de ser trabalhado e insiste na importância do aumento da quota de genéricos. Os gastos com fármacos representam mais de 20% da despesa total de saúde ao nível mundial (a despesa em Portugal segue a tendência global), recomendando a OMS que a utilização seja mais racional: “Mais de metade da totalidade dos remédios é prescrita, dispensada ou vendida inadequadamente e metade dos doentes não toma os fármacos que são prescritos ou dispensados.”

Fonte: Público, 21 de Dezembro de 2011

1 Comment

  1. miguel sousa neves

    Toda a gente sabe que Margaret Chan tem toda a razão mas o problema (crónico) é uqe é mais fácil (embora muito menos eficaz) entrar logo pelo bolso dos utentes e não actuar na base do sistema = melhorar a eficiência

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