Artigo da autoria de Luís Filipe Pereira
Em consequência da recente demissão do Director Executivo do SNS, e da polémica que se lhe seguiu, tem sido colocada na opinião pública a questão da utilidade da existência da Direcção Executiva (DE) , como órgão de gestão global do SNS, apontada por alguns como desnecessária e contraproducente..
Na minha opinião existe um conjunto de razões que justifica plenamente a criação de uma DE do SNS embora o desenho da sua organização e das suas competências tenha sido defeituoso a necessitar de uma revisão e modificação.
O SNS tem actualmente cerca de 150.000 pessoas, possui um orçamento que, em 2025, se aproxima de 16 mil milhões de euros (mM), e tem a responsabilidade da prestação de cuidados de saúde num número elevado de equipamentos e instalações (como hospitais, centros de saúde etc)..
A necessidade e a importância fundamental da gestão deste vasto conjunto de recursos do SNS está bem evidenciada na situação ocorrida no período dos 8 anos de governação socialista: em 2015 o orçamento de despesas do SNS (salários, medicamentos, custos intermédios etc) situava-se em cerca de 9 mM de euros e em 2023 atingiu cerca de 15 mM. Ora aumentaram os recursos financeiros em mais de 60% mas agravaram-se os resultados para a população (mais listas de espera, mais pessoas sem médico de família e continuação das crises das urgências hospitalares) o que, nesse período, não pode ser explicado apenas pelo envelhecimento da população e/ou por um aumento dos utentes do SNS devido à imigração.
Face à complexidade da gestão , à dimensão do SNS e ao seu objectivo critico da obtenção de resultados para a população, tenho vindo a defender , há alguns anos, mesmo antes da criação da DE pela governação socialista, em intervenções públicas e em artigos na Comunicação Social a necessidade de um CEO (Presidente Executivo) do SNS o qual, com a sua equipe, fosse o responsável pela gestão operacional e técnica, a nível global, do SNS..
Nesta solução o Ministro(a) continua a ser o último responsável pelo SNS, em termos políticos, mas a responsabilidade da gestão operacional e técnica está a cargo de uma entidade, como a DE, (que responde perante o Ministro/a) e que deverá ter, a meu ver, independência técnica e operacional garantida na legislação.
A propósito deste novo enquadramento da actuação do Ministro(a) da Saúde, em que existe a separação a alto nível entre a responsabilidade politica e a responsabilidade pela gestão técnica e operacional, tem sido levantada a questão se isto não corresponde à secundarização da sua acção e à diluição da sua responsabilidade.
Ora esta separação existe nos outros países europeus que possuem o mesmo tipo de sistema de saúde, como em Portugal, ou seja naqueles de gestão pública, com financiamento por impostos , como por ex., no Reino Unido e na Dinamarca.
No caso inglês, por ex.- no National Health Service (NHS) – do qual retirámos o modelo de sistema de saúde para o nosso SNS, existe uma entidade pela gestão técnica e operacional, a nível global, o NHS Trust England, com autonomia e independência a qual responde perante o máximo responsável politico , o Secretary of State for Health and Social Care.
Também nos outros países com o mesmo tipo de sistema de saúde mas em que a organização politica territorial está descentralizada em Regiões, como nos países nórdicos, ou em Comunidades Autónomas, como em Espanha, que têm a responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde às suas populações, o Ministro (a) do Governo central não tem a responsabilidade pela gestão operacional e técnica pela prestação desses cuidados.
E , por ex., no caso da Dinamarca (como nos outros países nórdicos) mesmo no âmbito da Região , a estrutura de gestão e responsabilidade politica está separada da gestão operacional e técnica.
A razão última nestes países para esta separação tem a ver com o objectivo critico e fundamental de garantir a eficiência do sistema de saúde entendida tanto na obtenção de melhores cuidados de saúde para as populações como na obtenção de menores custos para o Estado e para os contribuintes (sem perda de qualidade e resposta atempada dos cuidados de saúde)
Este aspecto é tanto mais importante se tivermos presente que estes sistemas de saúde possuem um número muito elevado de profissionais sob gestão pública : Portugal, como referi, tem cerca de 150.000 pessoas mas o NHS inglês abrange cerca de 1,3 milhões de pessoas.
No entanto, nos outros países europeus, que possuem um tipo de sistema de saúde diferente, baseado em seguros obrigatórios de saúde (como na Alemanha, França, Países Baixos, Suiça etc) não há necessidade da existência de uma entidade com a responsabilidade pela gestão operacional, a nível global, como a DE em Portugal ou o NHS Trust no Reino Unido.
Nestes países o Estado garante os cuidados de saúde a toda a população mas, ou não está envolvido directamente na prestação desses cuidados, ou presta esses cuidados em paralelo com a iniciativa privada e social.
No caso da Alemanha por ex., o sistema de saúde, baseado em seguros obrigatórios de saúde, é financiado pelas contribuições (descontos sobre rendimentos de trabalho) das empresas e dos trabalhadores (e pelo Estado no caso das pessoas sem posses) e estes recursos financeiros são colocados em mais de 100 seguradoras públicas, de livre escolha das pessoas, que contratam com prestadores – públicos, privados e sociais – sem discriminação, os cuidados de saúde para a população (para os seus segurados).
Neste caso a eficiência do sistema de saúde é garantida pela competição , a favor dos utentes, entre todos os prestadores – públicos, privados e sociais- e também pela livre escolha das pessoas quer em relação às seguradoras públicas quer em relação aos prestadores de cuidados de saúde que preferem.
Esta eficiência obtida, não pela gestão pública de enormes recursos humanos e financeiros (que tem sido sempre muito deficiente e problemática em Portugal) mas sim pela competição entre os prestadores dos cuidados, a favor dos utentes , e pela livre escolha destes, é a razão fundamental que me leva , há anos, a defender a evolução do nosso SNS para um Sistema Nacional de Saúde (SS) em que coexistam as três iniciativas – pública, privada e social – (tal como existe nos sistemas baseados em seguros obrigatórios), através da contratualização pelo Estado das outras duas iniciativas a cujas unidades a população terá acesso nas mesmas condições (gratuitamente) em que utiliza as unidades públicas.
Aliás, existe a comprovação dos resultados positivos da contratualização da iniciativa privada (com melhor qualidade e atendimento para a população e menores custos para o Estado) no sucesso das PPP-Parcerias Publico Privadas nos hospitais do SNS:
A coexistência neste SS,das três iniciativas, permite, desde logo, a comparação de desempenho entre elas (“benchmarking”) contribuindo para o aumento e melhoria do desempenho e eficiência da gestão pública, o que acompanhado pela introdução da liberdade de escolha dos utentes, quer em relação aos hospitais quer em relação a profissionais de saúde, que existe já em países com o mesmo tipo de sistema de saúde, como o Reino Unido e Dinamarca, por ex., , permite assegurar uma maior eficiência do sistema de saúde em Portugal, em benefício da população.
Em suma , a evolução que defendo do SNS para o SS, é uma estratégia que permite conciliar a eficiência comprovada dos sistemas de seguros obrigatórios de saúde (como na Alemanha), em que existe a participação das iniciativas privada e social, com as características de equidade, de universalidade e de gratuitidade dos sistemas de gestão pública, como em Portugal e no Reino Unido.
Aliás , este caminho está já a ser seguido no Reino Unido : muito recentemente, no passado dia 6 de Janeiro, o 1º Ministro trabalhista (socialista) num discurso público proferido na cerimónia de um acordo entre o NHS e o sector privado e social saudou a expansão da relação entre o NHS e o sector privado, dizendo que o acordo era do interesse nacional e que a mudança (do NHS) era urgente.
Por último, é fundamental salientar que a existência da DE é independente e não implica a criação e generalização das ULS- Unidades de Saúde Locais em Portugal que considero um erro de direcção estratégica. De facto as ULS´s significam a criação de grandes estruturas , verticalizadas, agrupando sob a mesma gestão, um hospital e os centros de saúde em determinada área geográfica , o que impede ou põe grandes obstáculos à contratualização pelo Estado das iniciativas privada e social o que, a meu ver, é a direcção estratégica certa a seguir, tal como está a acontecer no Reino Unido onde, aliás, não existe esta organização por ULS´s.
Por outro lado, para se realizar a integração dos cuidados primários e hospitalares (a razão invocada para a criação das ULS´s), o que pode ser feito pela partilha da informação clinica através do Processo Clinico Electrónico, não é necessária a criação destas estruturas verticalizadas e a submissão das USF- Unidades de Saúde Familiares (centros de saúde) a uma gestão de influência hospitalar.
A própria Associação das USF realizou um inquérito recentemente no qual cerca de 26% se declaravam satisfeitas com a sua participação nas ULS´s mas cerca de 74% eram indiferentes (29%) ou estavam insatisfeitas ou muito insatisfeitas (45%).