Artigo informativo da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde por Miguel Sousa Neves, médico e presidente da direção da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde
Nesta luta para podermos voltar ao nosso normal a arma mais poderosa é a vacinação em massa da população.
Há já no mercado algumas vacinas que reduzem as possibilidades de ficarmos doentes, sermos internados ou mesmo morrermos.
Já passou 1 ano desde que a crise se instalou e a maioria das pessoas ainda apresenta vulnerabilidade ao COVID-19. O modo como nos vamos defendendo é ditado pelas restrições que têm sido estabelecidas nas nossas vidas porque o distanciamento social funciona relativamente bem, mas com custos elevadíssimos na nossa saúde mental e na economia para além de potenciar a morbilidade e mortalidade por outras doenças não tratadas.
As vacinas ensinam o nosso corpo a lutar a infeção e permitem uma saída positiva desta pandemia.
No mercado europeu trabalhamos essencialmente com três vacinas diferentes que são as da Pfizer/BioNTech, Moderna e Oxford/Astrazeneca. As duas primeiras usam uma tecnologia inovadora e de fácil desenvolvimento: injeta-se um fragmento do código genético do vírus no corpo e este inicia a produção de parte do vírus e anticorpos específicos que nos defendem. A da Astrazeneca é mais conservadora utilizando vírus atenuado para que o corpo passe a produzir um sistema de defesa. A grande vantagem desta última é que pode ser conservada num frigorífico normal o que facilita a logística da sua distribuição.
Há mais duas vacinas praticamente prontas a serem utilizadas e que são as da Janssen (Johnson & Johnson) e da Novavax. Ambas podem ser conservadas da mesma forma que a da Astazeneca sendo que a da Janssen apenas necessita uma única toma podendo também ser produzida rapidamente em enormes quantidades pelo que poderá vir a assumir um protagonismo essencial a nível planetário. As duas utilizam métodos conservadores na sua formação.
Há já também pelo menos três vacinas chinesas (Sinovac, CanSino e Sinopharm) e também umas três na Rússia sendo que a Sputnik V é a mais conhecida aparentando um elevado grau de eficácia em artigo recente publicado em revista científica credível. É uma vacina parecida com a da Astrazeneca e da Janssen e há pelo menos um país europeu (Hungria) a utilizar esta vacina. As vacinas de origem chinesa têm até agora poucas publicações sendo que a CoronaVac produzida pela empresa Sinovac é fabricada da forma convencional com vírus atenuado com vantagens de logística e distribuição equivalentes à da Astrazeneca. Esta vacina está a ser utilizada na Indonésia e Turquia para além de vários outros países asiáticos. A empresa Sinopharm tem duas vacinas em distribuição com utilização de emergência faltando completar a fase três dos ensaios clínicos e são também fabricadas segundo os métodos convencionais. Uma destas tem sido usada nos Emirados Árabes Unidos com uma eficácia descrita de 86% o qual já terá a maioria da população adulta vacinada. A empresa CanSino está também em fase terminal de ensaios clínicos e tem sido utilizada na Arábia Saudita. As vacinas começaram a serem distribuídas em alguns países africanos nas últimas semanas.
Haverá ainda quase 200 vacinas em fase de evolução sendo que mais de 20 estarão na fase final dos ensaios clínicos.
É impossível nesta fase comparar a eficácia das diferentes vacinas no mundo real, mas sabe-se que todas elas têm um forte impacto na diminuição de internamentos e de doença grave. Não sabemos, contudo, se serão eficazes no controlo eficaz da pandemia para podermos voltar a alguma normalidade sustentada.
Em relação às novas variantes, e porque a progressão da vacinação tem sido muito mais lenta do que gostaríamos, parece haver um impacto negativo na sua eficácia, pelo menos em vacinas como a da Astrazeneca, Janssen e Novavax em relação à estirpe sul africana, mas sabe-se que poderão evitar doença grave e, portanto, é muito melhor vacinar do que deixar correr. As novas estirpes irão obrigar a constantes remodelações das vacinas ao longo do tempo e a vacinações periódicas da população. Também ainda não sabemos qual a duração e qualidade de imunização adquirida das pessoas já infetadas com o vírus pois eventualmente terão que entrar nos planos de vacinação de todos os países.
Todas estas vacinas são bastante seguras com poucos efeitos colaterais. O que está em causa é saber, no mundo real, qual o grau de eficácia de cada uma delas e por quanto tempo durará a sua imunidade. Também já sabemos que o número de tomas poderá ser alterado havendo já estudos que sugerem que por exemplo a vacina da Pfizer/BioNtech poderá ser aplicada apenas numa única toma pelo menos nesta fase de vacinação onde é extremamente importante obter uma cobertura rápida de um número muito elevado de pessoas para podermos voltar a uma normalidade controlada.
A União Europeia já contratualizou cerca de 2.5 mil milhões de doses a várias farmacêuticas sendo que já disponibilizou em número bastante limitado três tipos de vacinas esperando poder utilizar mais vacinas de quatro farmacêuticas durante este ano.
Portugal terá contratualizado cerca de 22 milhões de doses, mas a disponibilidade das mesmas tem sido exígua causando constrangimentos e infrações por um bem que se revela muito escasso nesta fase. Cerca de 6% da população já terá tido pelo menos uma dose e a coordenação e logística de distribuição de mais vacinas não será um problema com a liderança atual da “task force”.
Seria muito importante uma vacinação rápida a nível mundial, mas temos de aceitar os constrangimentos não só da produção de vacinas, mas também do processo de aquisição que, pelo menos da parte da União Europeia habitualmente avessa ao risco, foi extremamente lenta e com muitos condicionantes.
Mesmo assim temos que ser realistas, olhar o futuro com algum otimismo prudente para fazer face aos problemas inerentes a este tipo de vida que hoje levamos não só no campo da saúde mental e no cuidar das nossas outras doenças para além do coronavírus tipo 2 como também no refazer a economia apostando no digital, na proteção adicional do meio ambiente e em muitas outras soluções inovadoras.
As vacinas são a nossa grande arma para lutar não só contra este vírus como os que virão dentro de mais ou menos tempo. Não foi acautelada em devido tempo a sua produção massiva e estamos a sofrer as consequências dessa falta de perspetiva. Outro erro foi e é no nosso país a não execução de testes para a toda a população para identificação dos infetados. É preciso no entanto ter algum otimismo e pensar que vamos ultrapassar esta pandemia e aprender com os erros para que na próxima tudo corra muito melhor