Tribunal Constitucional validou, sem unanimidade, o aumento dos descontos para a ADSE. Sistema será suportado por 849 mil trabalhadores e aposentados.
O Tribunal Constitucional (TC) deu luz verde, com a oposição de quatro dos 13 juízes, ao aumento dos descontos para a ADSE, confirmando assim que o subsistema de saúde da função pública passará a ser suportado exclusivamente pelos 848.655 funcionários públicos e aposentados que descontam para o sistema. Também os aumentos previstos para os militares e forças de segurança, que têm subsistemas próprios foram validados.
No caso da ADSE, o número de beneficiários titulares (isto é, que descontam uma parte do seu salários para usufruírem do sistema) tem vindo a cair nos últimos anos. Entre 2011 e Outubro deste ano, a ADSE perdeu 3,7% dos seus titulares (menos 32.231 pessoas), com a queda mais expressiva a ocorrer nos activos. De acordo com os dados mais recentes publicados no site da Direcção Geral de Protecção Social aos Trabalhadores em Função Públicas, os titulares no activo são agora menos 6,6%, enquanto os titulares aposentados recuaram 1,2%.
Nos últimos dois anos, também se verificou uma redução de 4,8% no universo total dos beneficiários (que inclui os familiares dos titulares que também beneficiam do sistema e cujo número caiu 7,1%). Esta redução pode ficar a dever-se às desistências (uma possibilidade prevista desde 2011), a razões demográficas ou à saída de funcionários pelo programa de rescisões, que optaram por não manter a ADSE.
Num contexto em que a ADSE passará a ser sustentada apenas por quem dela beneficia – a partir do próximo ano as entidades empregadoras deixam de fazer descontos – a queda do universo de trabalhadores e aposentados que contribuem para o sistema pode colocar problemas de sustentabilidade.
No memorando assinado com a troika estava prevista uma redução do custo orçamental com a ADSE e também com os subsistemas dos militares (ADM) e das forças de segurança (SAD), “diminuindo a comparticipação da entidade empregadora e ajustando o âmbito dos benefícios de saúde”. O objectivo era que os sistemas se financiassem por si próprios em 2016, mas, para compensar o chumbo constitucional da lei da convergência das pensões, o Governo decidiu antecipar esse objectivo para 2014. Embora no caso da ADM e da SAD continue a haver uma participação do Orçamento do Estado, uma vez que, segundo o Governo, continuam a ser deficitários.
O aumento dos descontos de 2,5% para 3,5% está previsto na Lei 30/2014 e está em vigor desde Junho. A primeira versão foi vetada pelo Presidente da República, que questionava o facto de o aumento dos descontos visar “sobretudo consolidar as contas públicas”. Os deputados da maioria introduziram uma norma no diploma a consignar as receitas dos descontos à actividade da ADSE e Cavaco Silva acabou por promulgar o diploma.
Os deputados do PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes não ficaram convencidos e pediram ao TC que se pronunciasse sobre a constitucionalidade da lei.
No acórdão agora conhecido (divulgado quinta à noite), a maioria dos juízes considerou que o aumento das contribuições para a ADSE “não constitui uma medida manifestamente desequilibrada ou desnecessária para a consecução do desiderato de auto-sustentabilidade da ADSE”. O TC entende ainda que o facto de a inscrição na ADSE não ter já carácter obrigatório, e de os beneficiários poderem a todo o tempo deixar o sistema, acaba por também condicionar esta apreciação. Também no que respeita ao aumento dos descontos para a SAD e ADM o TC entende não haver razões para declarar a norma contrária à constituição.
Redigido pelo conselheiro José Cunha Barbosa, o acórdão refere que “é razoável que essa sustentabilidade pressuponha a constituição de excedentes”, que contribuirá para que “se atinja e mantenha, num horizonte alargado, a sustentabilidade do subsistema, considerando que razões demográficas e outras (aumento do número de subscritores aposentados e reformados, aumento da idade média dos subscritores) permitirão estimar que, no médio e longo prazo, se verifique um aumento das despesas e a redução das receitas do subsistema”.
Este não é contudo o entendimento de Carlos Fernandes Cadilha, Lino Rodrigues Ribeiro, Catarina Sarmento e Castro e João Cura Mariano que votaram vencidos e apresentaram declarações de voto a justificar a sua posição.
Na sua declaração de voto, Carlos Cadilha afirma que a sujeição dos beneficiários da ADSE a um desconto de 3,5% “com o declarado propósito de atingir objectivos de natureza orçamental relacionados com a consolidação das contas públicas” não pode deixar de ser considerada “desnecessária e excessiva”.
Além disso, entende que no caso da SAD e da ADM, a inscrição não é facultativa e o princípio da auto-sustentabilidade não pode ser invocado, “na medida em que as despesas relativas à saúde operacional devem ser suportadas por financiamento público”.
Uma visão partilhada pela juíza Catarina Sarmento e Castro que defende que é inconstitucional o aumento dos descontos no caso dos militares e das forças de segurança, que têm subsistemas de carácter obrigatório e que não devem ter como fim a auto-sustentabilidade.
O conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro lembra ainda, na declaração de voto que assina, que enquanto não se concluir um estudo anunciado pelo Governo sobre os custos da ADM e da SAD “não se pode saber se as contribuições dos beneficiários excedem ou não o custo das despesas de saúde que são da sua exclusiva responsabilidade”.
Fonte: Público, 7 de novembro de 2014