O debate foi lançado pelo bastonário da Ordem dos Enfermeiros: faz sentido pagar o mesmo a dois hospitais quando um deles conseguiu que um doente com um acidente vascular cerebral tivesse alta já a andar e no outro a pessoa ficou dependente? O ministro da Saúde, Paulo Macedo, reconheceu que é preciso repensar o modelo de financiamento das unidades do Serviço Nacional de Saúde e anunciou que os contratos que serão feitos com os hospitais vão ter algumas destas ideias em consideração, já em 2016.
Paulo Macedo, que falava aos jornalistas este domingo no final da abertura do IV Congresso da Ordem dos Enfermeiros, em Lisboa, adiantou que está “previsto já para o período de 2016-2018 a realização dos contratos-programa com uma metodologia que seja mais focada nos resultados em saúde”. E acrescentou: “Todos estamos de acordo que a evolução tem de ser neste sentido. Temos de recompensar através do financiamento quem faz melhor em termos de resultados para as populações.” O ministro deu alguns exemplos do que podem ser boas práticas: menos reinternamentos dos doentes, maior controlo de algumas doenças crónicas como a diabetes e melhores resultados em intervenções cirúrgicas.
A reacção do ministro da Saúde surge quando uma das ideias centrais do congresso da Ordem dos Enfermeiros passa precisamente por apelar à revisão do financiamento das unidades de saúde, com um jantar de trabalho esta segunda-feira, que será dedicado ao tema e contará com Paulo Macedo e com outros responsáveis, como o presidente da Administração Central do Sistema de Saúde.
O bastonário Germano Couto considera que os actuais “indicadores não traduzem a qualidade do serviço prestado” e sublinha que “o Estado paga melhor a quem fez mais cirurgias e consome mais recursos e não a quem obteve o melhor resultado”, apelidando o actual modelo de “caduco”. O representante da Ordem fala mesmo num sistema “impregnado” por “interesses” que é preciso ultrapassar para que o foco passe a ser os “resultados positivos para a saúde dos cidadãos”. A ideia já tinha sido defendida pelo enfermeiro numa entrevista ao PÚBLICO em que advertia que o “actual modelo tem por base o diagnóstico médico, os procedimentos e não os resultados em saúde”.
Paulo Macedo reconheceu, contudo, que a alteração demorará algum tempo, já que será preciso “melhorar o próprio apuramento dos resultados nos hospitais”. A tutela está a trabalhar, por isso, na recolha e análise de mais indicadores clínicos que permitam conhecer melhor os resultados, alertando que qualquer mudança será sempre gradual. “Não podemos ter hospitais que interrompam a actividade, mas há uma vontade política e técnica para que recompensemos e financiemos quem tem melhores resultados”, assegurou o ministro.
Sobre os enfermeiros em concreto, no seu discurso no congresso, Paulo Macedo afirmou que o Serviço Nacional de Saúde “não se compadece com rivalidades corporativas” e defendeu o “reforço” das “competências e área de actuação” dos profissionais de enfermagem. Como exemplo disso deu a criação da figura do enfermeiro de família, que disse estar a ser implementada em experiências-piloto que serão avaliadas antes de se avançar de forma mais geral. O ministro informou, ainda, que nos primeiros quatro meses do ano contratou mais 800 enfermeiros para os hospitais públicos e que está a decorrer um concurso para contratar mais 1000 para as administrações regionais de saúde – números que mesmo assim têm sido considerados insuficientes tanto pela Ordem dos Enfermeiros como pelos sindicatos.
À margem do congresso, Macedo aproveitou para dizer que estão a trabalhar em legislação para dar mais “rigor e transparência” à publicidade que é feita no âmbito da saúde e da prestação de serviços, na sequência de algumas queixas a anúncios abusivos. Por outro lado, fez um balanço do tratamento da hepatite C, adiantando que desde que foi assinado o acordo, em Fevereiro, que já foram tratadas ou estão em tratamento mais de 3000 pessoas. Sobre o atraso no pagamento aos hospitais, Macedo negou a denúncia feita pela presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, reconhecendo apenas que o próprio modelo é complexo e que prevê algumas devoluções apenas mais tarde, por notas de crédito da indústria farmacêutica.
Fonte: Público, 10 de maio de 2015