Para o ministro da Saúde é preciso analisar com prudência o tema dos cortes que têm sido feitos nos últimos anos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “É tão errado culpar os cortes por todos os incidentes sistémicos como errado será dizer que não têm nenhum efeito”, afirmou Adalberto Campos Fernandes, que está nesta quarta-feira a ser ouvido na comissão parlamentar de Saúde na sequência da morte de um doente de 29 anos no Hospital de São José por falta de equipas de neurocirurgia e neurorradiologia ao fim-de-semana.
A audição da equipa da Saúde foi requerida pelo PCP. Na sua intervenção inicial, a deputada comunista Carla Cruz começou por criticar os “efeitos nefastos e perniciosos” que o SNS sofreu com o Governo PSD/CDS-PP. “As medidas que foram tomadas enfraqueceram o SNS”, comentou a parlamentar, acrescentando que os problemas não se ficaram pelos cortes salariais. “Muitos profissionais saíram porque se sentiram desvalorizados na sua profissão e no papel que tinham no SNS”, disse Carla Cruz, questionando Adalberto Campos Fernandes sobre se associa o que aconteceu no Hospital de São José aos cortes e o que tenciona fazer.
Em resposta, o ministro da Saúde mostrou-se solidário com a família de David Duarte e criticou a “excessiva mediatização” da morte do doente de 29 anos. Campos Fernandes defendeu que “é errado dizer” que os cortes não têm nenhum efeito, sublinhando que “quando nós expomos um país a um quadro de empobrecimento e restrição do rendimento criamos condições para que a saúde piore”. “O único casamento que não se dissolve é o casamento entre a pobreza e a doença”, ilustrou.
Depois, o governante garantiu que não entrará em “irresponsabilidade política”, admitindo que sabe que com as restrições orçamentais terá de fazer “escolhas difíceis”. No entanto, comprometeu-se a fazer uma “interpretação política diferente e escolhas diferentes”. “Queremos conjugar rigor orçamental com justiça social”, insistiu, dizendo que na saúde há boa e má despesa, comprometendo-se a fazer uma “luta sem quartel” contra esta última, que defende ser diminuta.
Regressando em concreto ao caso do Hospital de São José, Campos Fernandes disse que é preciso esperar por uma “investigação independente, distanciada, objectiva e fria”, mas reconheceu que deixa uma lição: “os cortes são perigosos não tanto pela sua magnitude mas pela sua falta de selectividade”. Para o ministro é importante recuperar no “plano da consideração” dos profissionais de saúde, até mais do que no plano financeiro.
Do lado do PSD, o deputado Miguel Santos disse concordar com as declarações do ministro sobre o caso da morte de David Duarte, mas lamentou que no passado outros partidos tenham tirado conclusões da legislatura de Passos Coelho a partir de casos. Miguel Santos rejeitou os cortes cegos, defendendo que incidiram sobretudo sobre salários e política do medicamento. Depois levantou dúvidas sobre a nomeação de Ana Escoval para suceder a Teresa Sustelo à frente do Centro Hospitalar de Lisboa Central (do qual faz parte o Hospital de São José), depois de a administradora ter pedido a demissão após o caso da morte do doente de 29 anos.
Ainda sobre nomeações, o ministro confirmou que recebeu na terça-feira o pedido de renúncia do presidente da Administração Regional de Saúde do Norte. O tema foi abordado por Miguel Santos, quando questionou algumas das escolhas da equipa, insinuando a perseguição a alguns dirigentes que transitaram da anterior tutela.
No tempo de resposta, Campos Fernandes rejeitou também a gestão de casos. “Nunca farei da apreciação clínica do SNS uma gestão de casos”, disse, para depois se afastar do PSD. “Uma das coisas que a actual maioria tem de diferente é que a anterior tentou isolar a questão da saúde e do SNS da vida concreta das pessoas. Para os mesmos recursos é sempre possível ensaiar escolher políticas diferentes”, insistiu. O ministro terminou com críticas à intervenção de Miguel Santos sobre Ana Escoval, lamentando a escolha da palavra “purga” com que o deputado se referiu às mudanças. “Purga é uma palavra deselegante. As pessoas não são purgáveis”, disse.
Ainda em reacção a Miguel Santos, Campos Fernandes rejeitou que as medidas do anterior Governo tenham afectado apenas os salários e as “rendas excessivas” da indústria farmacêutica. Como exemplo de cortes errados, o ministro referiu a redução generalizada do número de camas de agudos, que se traduziu numa queda do número de altas nos hospitais. Ao mesmo tempo, salientou que houve um “desvio da procura e o sector privado conheceu um recorde histórico. Nunca o sector privado cresceu tanto em investimento e cativação de médicos da área pública”.
O titular da pasta da Saúde aproveitou para anunciar algumas medidas e avançar com compromissos. No dia 29 de Janeiro vai ser apresentada a reforma global da Urgência Metropolitana de Lisboa, com o respectivo modelo de pagamento aos profissionais. “De três em três meses também prestaremos contas daquilo que estava suposto ser feito e que nós fizemos ou não fomos capazes de fazer por razões que teremos naturalmente de justificar”, avançou, dizendo que a 1 de Fevereiro será também apresentado um novo portal do SNS com informação sobre a actividade assistencial e financeira. A informação será “boa ou má”, prometendo Campos Fernandes que não esconderá os défices ou os “portugueses sem médico de família”.
Fonte: Público, 20 de janeiro de 2015