O nosso jornal falou com o especialista em Oftalmologia e presidente da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde (SPGS), Miguel Sousa Neves, a propósito da reeleição para o cargo e dos principais objetivos e desafios para o próximo mandato.
JORNAL MÉDICO (JM)| O que significa para si ser reeleito presidente da SPGS?
MIGUEL SOUSA NEVES (MSN)| É mais um desafio numa área que gosto particularmente que é a gestão de Serviços de Saúde. Fui um dos cofundadores da SPGS e, depois de altos e baixos, acredito que a mesma continua a ter um papel relevante a representar na nossa sociedade, tanto mais que foi alargada a todos os que se interessam pela área em causa. Além disso, é única por ser apartidária, sem fins lucrativos e completamente desligada de qualquer grupo ou área de atividade direta ou indiretamente relacionada com a Saúde e por fim edita a Revista Portuguesa de Gestão & Saúde que, também, é a única do género em Portugal.
JM| Sabemos que estão a SPGS está a ser alvo de uma revitalização. O que nos pode adiantar sobre isso?
MSM| Estamos mais uma vez a recriar a SPGS com um grupo heterogéneo, mas complementar, equilibrado e com ambições de produzir trabalho útil e inovador em muitas áreas. Estamos a renovar o site e fazer atualizações diárias na página do Facebook, assim como na edição quadrimestral da revista de caráter informativo e científico. Iremos criar parcerias dinâmicas com instituições universitárias e pretendemos, ainda, envolver setores organizados da Saúde dentro e fora do Ministério, com o objetivo de criar sinergias que permitam acrescentar valor aos associados e às próprias organizações. Vamos ter, entre outras atividades, reuniões abertas sobre temas da atualidade; a criação de um mini-MBA que possa acrescentar valor e conhecimento aos profissionais que trabalham na área da Saúde; premiar casos de sucesso no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e atribuição de um prémio de Inovação em Saúde.
JM| Atualmente, quais são os desafios da área da Gestão de Saúde em Portugal?
MSN| Penso que o principal desafio é “perceber que Saúde queremos”, isto é, que sistema de saúde queremos para o nosso país, tendo em conta o que existe atualmente, aquilo que está consagrado na Constituição, a nossa realidade financeira e a vontade esclarecida da maioria dos portugueses. Há um grupo de trabalho, coordenado por Maria de Belém Roseira, que está a trabalhar esta área, mas acho que falta chegar ao grande público, às pessoas que utilizam diariamente os serviços de saúde, para que percebam claramente onde estamos e para onde poderemos caminhar na Saúde em Portugal. Para tal, é preciso vontade, capacidade de trabalho organizado e honesto e fazer posteriormente chegar, de forma relevante, os “factos” aos portugueses através da comunicação social.
Além disso, é necessário que a classe política esteja preparada para assumir que a gestão de organizações de saúde como as unidades hospitalares é algo extremamente complexo, com um grau de exigência elevadíssimo, logo só deve ser assumida por pessoas com elevadas capacidades nesta área muito especifica, sensível e potencialmente cara, escolhendo os melhores para cargos de chefia e dotando-os de autonomia e responsabilidade para o pleno desempenho das suas áreas de influência. Acredito, sinceramente, que na maioria dos casos serão os profissionais de saúde com bons conhecimentos de gestão os mais capacitados para assumir essas tarefas de relevância capital que não podem ser entregues arbitrariamente a indivíduos apenas como atos de compensação ou benesse política dentro do sistema partidário.
JM| Quais são as perspetivas para o futuro no que concerne a Gestão em Saúde?
MSN| É importante termos a humildade de olhar para os outros países, que estão melhor do que Portugal nesta área, e captar o que nos interessa, e ao mesmo tempo saber rejeitar aquilo que é potencialmente inútil. Na saúde, apesar de todas as dificuldades do quotidiano num país que representará talvez a 50.ª economia a nível mundial, mas o 9.º lugar na qualidade da Saúde oferecida à comunidade como um todo, há que tentar criar a empatia necessária para que as sinergias da maioria dos intervenientes sejam positivas para que possam todos (ou quase todos) remar para o mesmo lado. Se a tarefa de manter um bom sistema de saúde num país que não é rico já por si é extraordinariamente difícil, a mesma torna-se dantesca quando é minada dentro do próprio sistema e amplificada na comunicação social que publica, muitas vezes, sem investigar nem perceber o “porquê” real do que vai acontecendo.
JM| Que trabalho tem sido desenvolvido pela Competência da Ordem dos Médicos de que é presidente?
MSN| Presido à direção da Competência em Gestão de Serviços de Saúde da OM, mas são situações completamente diferentes, uma vez que a Competência é apenas um órgão consultivo do Conselho Nacional da OM, respondendo hierarquicamente aos seus superiores. No entanto, pode e deve desenvolver ações de relevância para os médicos com interesses na gestão de saúde com o apoio possível de universidades, mas sempre em consonância com os objetivos das Secções da OM e do bastonário da OM.
JM| Qual é a sua opinião acerca do futuro do SNS?
MSN| O futuro do SNS será, como referi anteriormente, aquilo que as pessoas quiserem. Mas, para isso, é preciso que saibam o que o SNS vale neste momento em termos comparativos com os outros países, quanto custa financeiramente manter um SNS, onde os avanços tecnológicos estão a acontecer a todo o momento e que fronteiras ou parcerias se devem formar entre os vários setores do sistema de Saúde: público, privado e social. Preconizo um SNS forte com uma capacidade de oferta de serviços excelente e dirigida por centros/unidades autónomas, mas responsáveis e responsabilizadas (os CRI a serem criados poderão ser o tal embrião), dado que a Saúde, além de ser um elemento essencial para a comunidade, serve também para alavancar laços e um sentido significativo de pertença nos portugueses.
O SNS deve estar interligado sempre que necessário com os setores social, mais próximo das populações, e privado, com capacidades interessantes em determinadas áreas específicas num esquema a que os economistas apelidam de “loosely coupled systems“. Para isso, além de um investimento financeiro maior e mais responsabilizado, é essencial perceber e transmitir aos portugueses qual o seu “core business“: a trajetória de vida do cidadão, para que o investimento quase invisível, mas sempre crescente na prevenção da doença, criando hábitos de vida cada vez mais saudáveis, seja bem percebido e “assumido” como uma prioridade por todos nós, para que depois as unidades hospitalares (onde o orçamento é muito pesado) possam ser menos utilizadas, mas apresentando sempre opções de tratamento de elevada eficiência e eficácia, tendo em conta as inúmeras variáveis de cada doente. Por fim, fazer com que aqueles que trabalham e são a alma do SNS possam sempre “vestir a camisola” com entusiamo.
JM| O que pode ser feito para melhorá-lo?
MSN| Em relação a melhorias no sistema de saúde português, para além do que já referi e que começa a ser feito com incentivos à produção real e honesta, a avaliação correta do desempenho (a gestão em saúde tem necessariamente parâmetros próprios de avaliação pois os pacientes não são apenas números no sistema) e a necessária reformulação das prioridades no investimento humano e financeiro, contando com as tais parcerias em “loosely coupled systems” com os setores privado e social, é essencial que haja uma ampla maioria dos portugueses que de uma vez por todas diga o que quer para defesa da sua saúde apresentando diversas opções, custos e financiamento.