Foi-me de todo impossível estar presente na Assembleia Geral e Mesa Redonda de ontem, mas venho agradecer desde já as convocatória e convite, respectivamente.
Tive imensa pena de não estar, pois o tema da mesa redonda é deveras pertinente. Sem dúvida que o controlo da actividade é uma medida de gestão indispensável para qualquer organização e a saúde não deverá ser excepção. O enfoque essencial no “produto final” – a saúde e bem-estar do paciente/doente – implica que olhemos para os resultados da actividade e destes faz parte sem dúvida um factor temporal: fazer bem feito e em tempo útil. A natureza da actividade médica é tal que me parece ser ideal haver sempre um grau amplo de auto-gestão do tempo; um profissional consciencioso não hesita em prolongar a sua actividade ou em a levar a cabo em horas incómodas quando de tal resulta benefício para o doente. Por outro lado, os profissionais não podem ter um grau de autonomia de tempo tal que tornem inviável a articulação e optimização dos serviços e um eficaz trabalho em equipa. Penso que é desta tensão que devem resultar os princípios orientadores do controlo da actividade médica.
Não vale a pena em 2007 escamotearmos que entre os profissionais de saúde (em geral) tem havido, nomeadamente nos serviços públicos, casos de “abuso da gestão do tempo” com efeitos menos positivos para a actividade e produtividade global das instituições. As raizes deste problema têm a ver, na minha opinião, com uma já antiga compactuação (bem intencionada, é certo) com remunerações e condições de trabalho desadequadas para a diferenciação, desgaste e responsabilidade inerentes à profissão, tendo como contrapartida tácitas compensações na gestão do tempo. Outros factores explicativos terão seguramente importância, mas não cabe aqui discuti-los.
A maioria dos profissionais de saúde e, designadamente, os médicos, é consciencisosa e cumpridora dos seus deveres (veja-se, por exemplo, o rigor com que são geralmente cumpridos os horários dos turnos dos serviços de urgência). O perfil da actividade médica não se compadece (e tal não é do interesse nem dos pacientes nem das organizações) com esquemas rígidos de horários e controlo da actividade.
Por outro lado, tenho sérias dúvidas sobre a idoneidade dos métodos biométricos para este fim – não entrarão em conflito grave com os direitos de cada profissional enquanto cidadão, nomeadamente o direito à protecção da sua imagem e da sua individualidade integridade física no sentido lato? Perguntei informalmente a alguns amigos advogados o que lhes suscita este tema e faz-lhes sentido que pode haver aqui lugar a uma grave interferência nos direitos à protecção de dados e da imagem de cada um.
A instituição de métodos biométricos, mesmo no controlo de fronteiras, tem sido colocada em causa internacionalmente. No entanto, trata-se aqui de “luta contra o terrorismo”. O que me leva ao meu ponto. Os métodos biométricos parecem-me potencialmente lícitos e proporcionais quando falamos de segurança, mas completamente desproporcionais, agressivos, chocantes e lesivos da integridade individual de cada um quando aplicados a campos como o controlo de actividade em instituições/empresas. É até irresistível a analogia com o cliché Big Brother. Urge analisar esta questão do ponto de vista legal e ético, pois tenho sérias dúvidas quanto à sua sustentabilidade.
Independentemente do exposto acima, um método de controlo biométrico agressivo (e quiçá ilegal) como o que se propõe, mina a relação de confiança entre indivíduo e organização, tão necessária para que aquele “vista” a tão propalada camisola e a organização cumpra os seus objectivos. Estamos à beira de cair num método de gestão de recursos humanos infelizmente não raro no nosso país e que, também ele, nos distancia dos modelos que tanto admiramos: para tentarmos corrigir as atitudes/comportamentos de alguns, ferimos gravemente a motivação e a confiança da maioria.
Finalmente, como se não bastassem os argumentos acima, há a questão do custo-oportunidade. O investimento neste tipo de tecnologia não seria mais efectivo se aplicado na motivação dos profissionais e na implementação de medidas de controlo até mais eficazes e seguramente não questionáveis? A questão pode parecer demagógica mas não o é: os métodos biométricos são realmente caros, os serviços em que se pretendem implementar sofrem realmente o mais das vezes de carências de investimento de cariz elementar e com muito maior potencial de reversão positiva para os doentes.
Penso que seria urgente:
Avaliar da legalidade e adequação da utilização de métodos biométricos no contexto vertente.
Reflectir e chegar rapidamente a conclusões práticas e apropriadas para um efectivo controlo da actividade dos profissionais de saúde verdadeiramente relevante para os objectivos em mente. A poeirenta assinatura do livro de ponto ou a proletarizante picagem do ponto são desadequados para profissionais liberais, quer como questão de princípio, quer do ponto de vista de eficácia. Além disso, a minoria prevaricadora continuará a sê-lo com ou sem impressões digitais. Se nos interessam verdadeiramente os resultados finais das organizações, são esses que devemos controlar e, em função desse controlo, chegar sistematicamente aos problemas a montante que impedem a sua prossecução e aí actuar sobre eles. Clarificar as relações contratuais com os profissionais seria uma medida basilar e, ao fazê-lo, poder-se-ia corrigir algumas distorções graves do passado. Para tal é necessário frontalidade e assumir efectivamente que o desempenho da actividade médica é um caso à parte no sistema público.
Perdoem-me a extensão deste mail, mas não queria deixar de participar num debate em que penso que todos nos deveríamos pronunciar,
Muito obrigado
Melhores cptos
Rui Pombal
Médico (UCS Cuidados Integrados de Saúde, Grupo TAP)
TM: 918502064
lo que yo queria, gracias