O Infarmed, após denúncias de falta de remédios nas farmácias, detectou práticas ilegais em 34 estabelecimentos e distribuidores – 80% dos que foram sujeitos a inspecção.
As 34 farmácias e distribuidores foram alvo de contra-ordenações por exportação ilegal de medicamentos. No total, as multas desencadeadas por estes processos “cumulativamente, e numa estimativa preliminar, podem ser superiores a meio milhão de euros”.
É este o resultado das 42 acções inspectivas levadas a cabo pela Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) em 2011 e a cujas conclusões o PÚBLICO teve acesso. Sobre a situação actual, Cristina Furtado, do conselho directivo do Infarmed, refere apenas que se “manterá uma vigilância activa de modo a garantir a acessibilidade dos utentes aos medicamentos de que necessitam e, tal como agora, se actuará em conformidade sempre que essa acessibilidade for posta em causa”.
O recurso à exportação de medicamentos não é ilegal. Em mercado livre, é possível vender fármacos a outros países, garantindo-se assim em muitos casos uma boa margem de lucro. Os países nórdicos e Angola ou Moçambique, onde alguns medicamentos são mais caros que em Portugal, são os destinatários mais frequentes destas encomendas. Porém, há um limite para este negócio. A exportação torna-se ilegal quando compromete o abastecimento do mercado nacional. Foi isso que aconteceu em 2011 e que levou o Infarmed a agir.
Remédios em falta
A acção decorreu após o Infarmed ter tido conhecimento de “dificuldades no fornecimento de determinados medicamentos para os quais não tinha sido reportada ruptura de fornecimento pela indústria farmacêutica”. As denúncias, que abrangiam fármacos para problemas do sistema nervoso central, aparelho cardiovascular e digestivo, levaram à criação de um grupo de trabalho específico no Infarmed para determinar as razões da não dispensa de alguns medicamentos por determinadas farmácias.
Cristina Furtado confirma que, após as 42 acções inspectivas, foram detectados casos em que os medicamentos eram canalizados para outros países com recurso a “redes articuladas” e “com o propósito de exportar medicamentos em moldes não conformes com o previsto na legislação”. Percebeu-se que, por um lado, os distribuidores por grosso aprovisionavam-se de medicamentos junto de algumas farmácias e, por outro, que algumas farmácias exerciam a actividade de distribuição por grosso, abastecendo alguns distribuidores, práticas que violam o Estatuto do Medicamento. As 34 contra-ordenações instauradas envolvem o pagamento de multas mas algumas poderão mesmo resultar na suspensão do alvará e das licenças.
“Evidentemente que este não é um comportamento generalizado no sector que, na sua globalidade, conhece e cumpre a legislação em vigor e tem uma prática eticamente responsável”, sublinha Cristina Furtado.
“Ilegal porquê?”
Sobre a exportação ilegal de medicamentos, João Cordeiro, presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF), diz que ela não existe. E reage: “Isso é tudo muito complicado. Ilegal porquê?”
Cordeiro argumenta que, tal como acontece com as mercadorias ou capitais, a lei não deveria impor limites à exportação de medicamentos. “É uma incongruência. Estamos num mercado livre”, diz. E, em caso de problemas no mercado nacional, o presidente da ANF tem uma solução simples: “Os laboratórios seriam obrigados a abastecer o mercado.” Separando as águas entre as exportações feitas para a Europa e para países africanos, João Cordeiro apoia “um preço de medicamento europeu”. E conclui: “Se exportamos é porque temos preços baixos. Devemos tirar proveito disso.”
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF), Carlos Maurício Barbosa, acredita que a descida de preços dos medicamentos e a redução das margens de lucro “aumentam o potencial deste movimento de exportação” e podem empurrar as farmácias e distribuidores para este negócio. E se, para o caso das infracções cometidas pelas farmácias, o bastonário aplaude a intervenção do Infarmed, no caso dos distribuidores apela a um equilíbrio. “O mercado nacional não pode nunca ser posto em causa. Mas não podemos esquecer que o país precisa de exportar”, defende, considerando que, após a lei que entrou em vigor em Janeiro e que reduziu as margens de lucro, para alguns grossistas “exportar é a única forma de sobreviver”. O bastonário avisa: “Não há mais margem para descer o preço do medicamento.”
Fonte: Público, 1o de Fevereiro de 2012