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Médicos podem vir a ser reavaliados pela Ordem, como os pilotos

De acordo com novo estatuto da Ordem, médicos poderão ser reavaliados, como acontece, por exemplo, com os pilotos. Sindicatos estranham a ideia. Bastonário vai ter salário pago pela Ordem.

Os médicos vão poder ser avaliados ao longo da carreira para assegurar que continuam aptos a exercer a profissão. É uma medida que está equacionada na revisão do estatuto da Ordem dos Médicos (OM) e que prevê a possibilidade de submeter os profissionais a provas periódicas, eventualmente de cinco em cinco anos, segundo revela o bastonário, José Manuel Silva. Como se faz com os pilotos, por exemplo.

O bastonário admitiu ao Diário de Notícias que este será um dos novos poderes da Ordem, apesar de avisar que, primeiro, será necessário criar um regulamento. No âmbito da revisão do estatuto da Ordem, José Manuel Silva propõe a realização de uma prova para aferir as capacidades profissionais dos médicos.

“É uma notícia precipitada”, comenta o presidente da Secção Regional do Norte da OM, Miguel Guimarães, lamentando que dê a ideia de que “os médicos não estão preparados, que são uns malandros e que não se actualizam”. O que está previsto, precisou ao PÚBLICO, é a possibilidade de “recertificação de competências médicas”, mas esta questão ainda não foi, sequer, “discutida internamente” na Ordem.

Henrique Botelho, dirigente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), defende que o bastonário devia ter convocado, primeiro, um “fórum médico” para debater esta ideia, um fórum que incluisse associações e também os sindicatos que representam os profissionais. “Não gostamos do termos recertificação”, admite o dirigente sindical, lembrando que este é um “processo muito complexo” que exige “reflexão e fundamentação”. “Uma recertificação de competências não se faz de ânimo leve”, nota.

A discussão sobre a avaliação só agora vai começar, mas o bastonário da OM foi avançando já alguns parâmetros que defende. No início, o processo será voluntário e os médicos serão avaliados pelos respectivos colégios de especialidade. Ouvido pela TSF, José Manuel Silva precisou que o objectivo passa por reduzir os erros médicos e garantir melhores cuidados de saúde à população.

Miguel Guimarães esclarece que a recertificação não terá de passar necessariamente por uma avaliação periódica, nem por provas públicas, até porque os médicos que trabalham no Serviço Nacional de Saúde já são obrigados a fazer várias, ao longo da sua carreira, ao contrário do que acontece com os que exercem no sector privado.

“Temos de fazer um exame de acesso à especialidade, um exame final de especialidade, provas para concorrer para assistente, depois, para assistente graduado e, mais tarde, para assistente graduado sénior”, enumera. O que a OM quer, explicitou, “são regras que sejam cumpridas por todos, mas integrando o que já existe na carreira médica”.

Henrique Botelho faz questão de acentuar que o que se poderá eventualmente analisar é “como será possível melhorar o que o próprio estatuto da carreira médica especial prevê, uma vez que toda a progressão neste âmbito é feito com exames”. Admitindo que é sempre possível melhorar, o vogal da FNAM defende, porém, que este debate não lhe parece ser  “uma prioridade no contexto actual”.

Como os pilotos

Miguel Guimarães explica que a recertificação é uma ideia que se baseia naquilo que se faz, por exemplo, na pilotagem. “Os pilotos têm de demonstrar quantas horas têm de voo”, entre outras coisas, lembra o presidente da OM-Norte. Os médicos terão, porventura, de provar que participaram em determinadas acções de formação, diz, frisando, mais uma vez, que tudo isto ainda está por debater e por definir.

De facto, é cedo para perceber como é que isto vai funcionar na prática.  “Ainda não está decidida a forma como será feita a avaliação, mas a ideia é que seja periódica, por exemplo, de cinco em cinco anos. A recertificação irá garantir que os médicos continuam aptos, sejam eles especialistas ou sem especialidade”, adiantou José Manuel Silva ao DN. O bastonário admite que inicialmente esta avaliação será voluntária, “para que os médicos e os doentes se habituem a esta cultura”. No entanto, também poderá haver situações em que a OM o fará por sua iniciativa, por exemplo, em casos de maior risco ou em que haja afastamento há algum tempo da prática clínica.

Sem conhecer ainda os detalhes desta ideia, outros responsáveis dos dois sindicatos que representam os médicos manifestaram de imediato a sua “estranheza” ao PÚBLICO. “A ideia de uma recertificação é muito infeliz”, é “estranha”, criticou a presidente da Federação Nacional dos Médicos, Merlinde Madureira, que prefere não acrescentar outros comentários enquanto não conhecer a proposta  em pormenor. Também Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, quis deixar clara a sua “estranheza pela circunstância de isto aparecer assim, desgarrado, quando os médicos já têm um conjunto muito exigente de avaliações ao longo da sua vida profissional”.

Bastonário com salário

Outra coisa que o novo estatuto – que foi para promulgação pelo Presidente da República há três semanas – prevê é que o bastonário e eventualmente outros dirigentes da OM passem a ter um vencimento pago pela Ordem. Isso está previsto no novo estatuto, mas saber quem, no futuro, poderá ter ou não vencimento terá de ser “definido no plenário (assembleia de médicos)”, explica Miguel Guimarães.

Actualmente os dirigentes da OM não têm direito a vencimento, mas sim a ajudas de custo, mesmo que tenham que dedicar muitas horas à OM. Esta questão coloca-se também em relação aos profissionais que integram os conselhos disciplinares da OM e que são responsáveis pela instrução de inquéritos, nomeadamente os que resultam de queixas de negligência médica.  O novo estatuto prevê uma mudança na forma como funcionam os conselhos disciplinares. Os pareceres médicos passarão a ser pagos e haverá um aumento de profissionais que integram estes conselhos para que seja possível dar uma resposta mais rápida às centenas de processos que se acumulam nestes órgãos.

Fonte: Público, 20 de agosto de 2015

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