A indústria farmacêutica gastou no ano passado aproximadamente 15 vezes mais dinheiro em lobbying na União Europeia (UE) do que todos os representantes da sociedade civil que defendem a saúde pública ou o acesso aos medicamentos na Europa, revela um relatório do Corporate Europe Observatory (CEO), um grupo de denúncia que defende a transparência nas instituições da UE, como a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu.
Intitulado O poder de fogo do lobby da indústria farmacêutica na UE e as suas implicações para a saúde pública, o relatório esta quarta-feira divulgado indica que a despesa com lobbyingdeclarada pela indústria farmacêutica (laboratórios, associações patronais e consultoras) no Registo da Transparência da UE (até Abril deste ano e referente ao exercício financeiro do ano anterior) ascendeu a cerca de 40 milhões de euros, enquanto os grupos de consumidores e representantes da sociedade civil gastaram no mesmo período 2,7 milhões de euros na defesa dos seus interesses.
Para os autores do estudo do CEO, o “poder” dos grupos de pressão das multinacionais da indústria farmacêutica é evidente, bastando consultar as declarações que constam do registo da transparência para o perceber. Só as empresas deste sector, que é “um dos mais lucrativos do mundo”, declararam 22,9 milhões de euros, enquanto as associações da indústria indicaram um gasto aproximado de 7,7 milhões de euros e as dez maiores empresas delobbying tiveram uma receita de 8,1 milhões de euros.
Mas a “verdadeira despesa pode ser muito maior”, avisam os autores do relatório, que descreve os canais de influência da “big pharma” na União Europeia e adianta exemplos de leis e políticas que terão sido de alguma forma influenciadas pelos interesses da indústria farmacêutica.
Os responsáveis do CEO defendem mesmo que a indústria farmacêutica possui uma vasta “máquina de lobbying em Bruxelas” e gozam de um acesso “quase sistemático” aos decisores da Comissão Europeia. Um cenário que preocupa o CEO, que admite ter “sérios receios face à excessiva influência da “big pharma” no processo de decisão, em detrimento da saúde pública e da defesa dos consumidores”. É necessário, reclamam os responsáveis deste grupo, que a situação seja reavaliada com urgência, começando por se impor a “transparência total” dos registos.
Nos EUA gastos são muito superiores
Em Março de 2012, o CEO e a Health Action International Europe (HAI Europe) já tinham publicado um estudo sobre esta matéria. Nessa altura, o valor global encontrado no registo da transparência da UE ascendia igualmente a 40 milhões de euros. Mas em três anos aumentou substancialmente o número de empresas que declaram a factura com lobbying. Entre 2012 e 2015, quase duplicaram, passando de 23 para 40.
No estudo divulgado em 2012, o CEO adiantava, aliás, que as 23 empresas inscritas no registo europeu representavam apenas cerca de 20% das que integravam então a associação patronal Efpia (Federação Europeia de Associações da Indústria Farmacêutica).
O gasto aproximado, em cada ano, era, na altura, de 18,9 milhões de euros e o CEO sublinhava já que este número era relativo, porque a inscrição no registo é voluntária na Europa e tinham sido identificado alguns “desfasamentos entre a quantidade declarada e o investimento real”.
A política comunitária parece, assim, ter cada vez mais semelhanças com o modelo norte-americano, em que as acções delobbying são comuns e os gastos declarados estão disponíveis em registos públicos. Mas nos Estados Unidos a despesa da indústria farmacêutica na defesa dos seus interesses é muito superior. Em 2014, estas declararam um gasto perto de 125 milhões de dólares, e contabilizaram um total de 1244 lobbysts nesta área, segundo a Open Secrets, uma organização que compila os dados oficiais.
“Acesso privilegiado” a decisores
O estudo agora efectuado pelo Corporate Europe Observatory permite perceber, ainda assim, que os valores estão a aumentar na UE. Se no relatório de 2012, as dez maiores empresas declararam gastos da ordem dos 8,3 milhões de euros, esse total quase duplicou três anos depois (15 milhões de euros.)
Estas empresas empregam, no seu conjunto, 49 lobbyists a tempo inteiro, 30 deles com “passes de acesso ao Parlamento Europeu”, revela o estudo. Já nessa altura era a Bayer AG que aparecia no topo, com mais de 2,5 milhões de euros declarados, seguida da Merck Sharp & Dhome, com 900 mil euros, e a GlaxoSmithKline, com uma despesa total de 825 mil euros, durante 2011. No relatório deste ano, a Bayer volta a aparecer à cabeça, com um valor idêntico.
Em conjunto, neste período, as oito maiores associações da indústria farmacêutica declararam “sete vezes mais” gastos do que os contabilizados no estudo de 2012. Mas os autores do relatório voltam a destacar que a “subdeclaração” permite perceber que os gastos totais serão “muito mais elevados do que o registo da transparência revela”.
Os representantes deste grupo que defende a transparência defendem mesmo que a indústria farmacêutica “beneficia de acesso privilegiado” aos decisores em Bruxelas, uma vez que integram grupos de consultores e mantêm muitos encontros com políticos. Esta não será, porém, a única forma dos laboratórios fazerem valer os seus pontos de vista e objectivos, afirmam, notando que chegam a fundar e financiar associações e grupos que representam de doentes na União Europeia.
Há, acrescentam, “centenas de consultores activos em Bruxelas a oferecer os seus serviços de lobby” e que são frequentemente “antigos funcionários” da União Europeia. No entanto, são poucos os que estão especializados em assuntos relacionados com esta área específica. Segundo o Registo da Transparência, há 25 consultores com um ou mais clientes da indústria farmacêutica.
Fonte: Público, 2 de agosto de 2015