Resumo: A saúde digital é uma das vertentes da literacia em saúde que visa melhorar a capacitação das pessoas na gestão do seu processo de saúde-doença. Com o objetivo de modernizar o sistema nacional de saúde, foi criada a plataforma SNS + Proximidade que pretende potenciar a capacitação do cliente com doença crónica no fenómeno da autogestão, otimizando o seu percurso de vida. No entanto, esta plataforma piloto, baseada maioritariamente em ferramentas digitais não se apresenta como de fácil implementação, devido às características próprias da população portuguesa, tendencialmente envelhecida, com baixa literacia em saúde e com evidente iniquidade no acesso à saúde. A fim de expandir a implementação de plataformas eletrónicas de saúde, especialmente para pessoas com doenças crónicas que precisam de cuidados de saúde, é importante analisar as dificuldades que estas pessoas podem ter na utilização da tecnologia digital e que intervenções podem ser desenvolvidas para superar essas barreiras, nomeadamente pelo enfermeiro especialista.
Palavras-Chave: eHealth, literacia em saúde, autogestão, doença crónica, sistemas de informação
Introdução
As melhorias ao nível da ciência e tecnologia, assim como ao nível dos cuidados sociais e de saúde fazem com que cada vez mais as pessoas vivam mais tempo com uma condição de doença crónica, requerendo assim que adquiram comportamentos de autogestão, nomeadamente gerir os seus sintomas, o seu tratamento, as consequências físicas e psicossociais, e mudanças de estilo de vida (MacGowan, 2005). Até 2080, a população em idade ativa reduzir-se-á para cerca de metade e, em Portugal, o número de pessoas com mais de 65 anos aumentará em cerca de setecentos mil, atingindo o valor de 2.8 milhões (INE, 2017). As doenças crónicas constituem um grande desafio para a saúde. Conforme relatado pela OMS, a cada ano 71% das mortes são devido a doenças crónicas (WHO,2018). Atualmente, a Europa tem a maior percentagem de pessoas com 60 ou mais anos (United Nations, 2015). A carga económica das doenças crónicas e a carga de trabalho para os cuidadores de saúde aumentarão proporcionalmente (Tremmel et.al, 2017; Gheorghe et al, 2018).
O envelhecimento da população implica a necessidade, por parte da sociedade, de se reestruturar internamente, bem como a criação de novas respostas face às necessidades acrescidas de cuidados por parte dos cidadãos (Pereira, 2012) “(…) respostas novas e diversificadas que venham a satisfazer o incremento esperado da procura por parte de pessoas idosas com dependência funcional, de com patologia crónica múltipla (…) (Diário da República, 2006). As condições decorrentes da doença crónica, das quais se destacam os sintomas persistentes, o stress e a disrupção familiar originam, por si só, novas responsabilidades no doente e família, nomeadamente a gestão do regime medicamentoso, o coping adaptativo e a aquisição de novos conhecimentos, muitas vezes apenas acessíveis a profissionais de saúde diferenciados (Lorig, 2013; Rosland, Heisler, & Piette, 2012).
Neste sentido, os clientes precisam assumir responsabilidades para mudar ativamente o seu comportamento e gerir a sua doença. Este conceito, conhecido como autogestão, é atualmente amplamente adotado para melhorar os resultados de saúde e qualidade de vida entre clientes crónicos (Shrivastava, 2013; Talboom-Kamp, 2018). Assim, o paradigma representativo dos cuidados de saúde, encontra-se em mutação, com tendência à redução do tempo de hospitalização, sem que as condições de autogestão por parte dos clientes e famílias sejam devidamente avaliadas (Ryan & Sawin, 2009). É tácito que alguma da responsabilidade pela gestão do regime terapêutico terá de ser transferida para o cliente (Talboom-Kamp, Verdijk, Kasteleyn, Numans, & Chavannes, 2018), constituindo ele mesmo uma ferramenta, bem como o alvo das intervenções, sempre centradas em si e nas suas necessidades (Serviço Nacional de Saúde, 2018). O conceito de “cuidado centrado na pessoa” não é novo (Rosland et al., 2012) e inclui realização de cuidados que vão de encontro às crenças do cliente, que o incluem na tomada de decisão e que promovem a interação com os prestadores (Lafontaine, Bourgault, Girard, & Ellefsen, 2020). Este parece ser, sem dúvida, o foco da plataforma SNS+Proximidade reforçando a sua contemporaneidade e pertinência no contexto da gestão da saúde da população.
Embora esta seja à partida, uma demanda complexa, e as dimensões referidas sejam de difícil abordagem, a maioria das doenças crónicas partilha entre si, traços comuns que incluem a monitorização de indicadores e gestão de sintomas mais ou menos previsíveis, bem como a interação eficiente, objetiva e atempada, com os prestadores de cuidados. Este tipo de comportamentos não se finda apenas na aquisição de competências de gestão da doença crónica, mas também na adoção de estratégias que permitam a pessoa manter um percurso de vida sem agudização, durante o maior tempo possível, da forma mais informada possível e com o maior nível de literacia atingível (Grady & Gough, 2018; Serviço Nacional de Saúde, 2018).
Evidentemente, a capacidade de cada indivíduo gerir a sua própria saúde ou doença influencia os outcomes individuais, nomeadamente a sua sensação de bem-estar, a satisfação com os cuidados de saúde, os indicadores clínicos específicos da sua doença, autoeficácia, conhecimento e empowerment. Por outro lado, a própria sociedade beneficiará deste facto, na medida em que existe potencial de aumento do custo-eficiência dos cuidados, redução do número de hospitalizações, da perda de autonomia e aumento dos QALY (Ekman et al., 2012; Lafontaine et al., 2020; Lorig, 2013; Sakulsupsiri, Sakthong, & Winit-Watjana, 2016).
Embora estes indicadores se relevem, em Portugal os clientes com multimorbilidades continuam a existir e, embora a introdução de novas taxas moderadoras no SNS tenha contribuído para uma redução da afluência às urgências hospitalares (Entidade Reguladora da Saúde, 2013), a gestão dos episódios agudos continua a ser um foco de atenção no interior do sistema de saúde. Uma grande percentagem destas agudizações culminam em atendimento hospitalar não programado, criando no doente crónico uma dependência desnecessária de serviços demasiado especializados e cujo foco deve ser outro (Escola Nacional de Saúde Pública, 2020; Ministério da Saúde, 2018).
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