Relatório sobre acesso a cuidados através do SNS indica que no ano passado ainda existiam quase 1,5 milhões de pessoas sem médico de família.
Os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) atenderam no ano passado mais de seis milhões de urgências. O valor tem vindo a subir sempre desde 2012, mas em 40,8% dos casos os doentes, após a triagem de Manchester, receberam pulseiras verdes, azuis ou brancas – o que significa que poderiam ter sido tratados noutro local, como os cuidados de saúde primários.
Os centros de saúde também atenderam mais pessoas em 2014, mas o acréscimo fica aquém quando 1.478.271 utentes continuavam no final desse ano sem médico de família. Os dados fazem parte do Relatório Anual sobre o Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas de 2014, enviado para a Assembleia da República e a que o PÚBLICO teve acesso.
O Ministério da Saúde, no sumário executivo, destaca o crescimento da actividade dos centros de saúde e salienta que também nos hospitais houve “ligeiros aumentos no número de consultas externas, de urgências e estabilização da actividade cirúrgica”. “As melhorias registadas no SNS que este relatório documenta são ainda mais relevantes quando consideramos a diminuição da população que se tem registado nos últimos anos, ou seja, o aumento de acesso e de produção registada no SNS ocorreu num quadro em que a população residente diminuiu 52.479 residentes de 2013 para 2014”, lê-se no documento.
Porém, o aumento da actividade não está a ser suficiente para desviar os doentes das urgências hospitalares para outros locais, como os centros de saúde. Nas 6.168.324 urgências feitas em 2014, só 60% dos utentes receberam as pulseiras vermelhas, laranjas e amarelas (que correspondem ao nível de emergência que se considera dever ser resolvido no momento num hospital). Mesmo assim, as chamadas falsas urgências desceram de 42% em 2013 para 40,8 em 2014. Os dados correspondem a um ano que, na recta final, ficou marcado pelo relato do caos nos hospitais perante o surto de gripe. “A evolução da actividade de urgência hospitalar está muito dependente da sazonalidade dos surtos de doenças respiratórias infecciosas e ondas de calor”, reconhece o relatório.
Ainda sobre urgências, o relatório diz que o número de contactos para a Linha Saúde 24 cresceu em 2014 e que “mais de 34% dos utentes foram encaminhados para um serviço de urgência hospitalar, por se tratarem de situações de risco que necessitavam de observação médica urgente”. Os dados indicam ainda que “mais de 50% dos utentes que ligaram para a Linha Saúde 24 com a intenção de se dirigirem a um Serviço de Urgência, acabaram por ser encaminhados para os cuidados de saúde primários (31,3%) ou para auto cuidados (24,7%)”.
No campo dos cuidados primários, o relatório também diz respeito a dados de 2014. Mas, perante o número de quase 1,5 milhões de pessoas sem médico de família nesse ano, neste ponto o Ministério da Saúde faz questão de ressalvar que no primeiro semestre de 2015 já foi possível reduzir o valor para perto de 1,2 milhões de pessoas. Os valores mostram que houve mais 7712 pessoas a utilizarem as consultas médicas nos centros de saúde em 2014 em relação a 2013 e que 80% das pessoas com médico de família o usaram de facto.
No total houve mais 165.268 consultas do que no ano anterior, só que este aumento foi feito sobretudo à custa das consultas sem a presença do doente, que foram mais 101.547 do que em 2013. As consultas domiciliárias, por exemplo, foram menos quase 3000. A maior subida foi nas consultas de enfermagem, que representam mais de 15,6 milhões, com um aumento de um milhão entre os dois anos.
Do lado dos hospitais também houve mais consultas, com um total de 11,8 milhões, o que representa mais 1,6% do que no ano anterior. A subida foi conseguida mais pelo aumento de consultas subsequentes do que pelas primeiras consultas. No campo das primeiras consultas, o tempo médio de espera por uma resposta aos pedidos melhorou ligeiramente, mas ainda atinge os 115 dias. Os piores casos são no Algarve, com uma média de 161 dias. O Alentejo é o mais rápido, com 105 dias. Esta dificuldade traduz-se no facto de 26% das consultas ainda serem feitas fora dos tempos máximos de resposta inscritos na lei. O valor ultrapassa os 30% se olharmos apenas para as consultas muito prioritárias e prioritárias.
Fonte: Público, 22 de julho de 2015