O “pacote legislativo” apresentado pela maioria PSD/CDS para remover obstáculos e promover incentivos à natalidade fica muito aquém do proposto pela comissão nomeada pelo Governo para estudar esta questão. Mas há várias sugestões que foram levadas em conta, como a de tornar obrigatório, por lei, que as grávidas passem a ter prioridade na atribuição de médico de família, de forma a serem sempre seguidas pelo mesmo clínico nos centros de saúde.
Liderada por Joaquim Azevedo, esta comissão de especialistas propôs, entre outras coisas, a redução, entre duas a quatro horas, do horário laboral para pais e mães com filhos até seis anos, com a diminuição salarial a não dever ultrapassar 50% do ordenado. Sugeriu ainda que as mães pudessem ficar um ano em casa, após a licença parental, recebendo o vencimento por inteiro e sendo substituídas no local de trabalho, sempre que possível, por desempregados.
Olhando para os seis projectos de lei e os três projectos de resoluçãoapresentados pela maioria na sexta-feira, o PSD e o CDS preveem agora a possibilidade de os funcionários públicos com filhos ou netos menores de 12 anos trabalharem metade do dia, em troca de 60% da remuneração habitual. A deputada Teresa Anjinho, do CDS, recorda que a hipótese de desempregados ficarem a substituir pais após a licença parental já foi anunciada pelo ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares, no âmbito do plano de “empregabilidade parcial”. A medida será financiada com fundos comunitários.
Outras propostas do mega-pacote lançado pelo PSD/CDS incluem o alargamento, em cinco dias, da licença de paternidade, a reposição dos 4.º e 5.º escalões de abono de família na próxima legislatura, e a alteração do Código de Trabalho, de forma a permitir que quem tem filhos até três anos possa exercer a actividade em regime de teletrabalho, se isso for compatível com a sua actividade .
A pediatra Maria do Céu Machado, que integrava a comissão de especialistas, estima, num cálculo por alto, que as medidas agora propostas pela maioria incluem “cerca de 30%” das sugestões apresentadas pelo grupo de trabalho. A solução prevista para os avós (funcionários públicos) faz sentido, acentua, lembrando que muitas vezes são estes que ficam a cuidar das crianças. “É melhor do que nada”, remata a médica. Satisfeita com a medida que prevê a obrigatoriedade de as grávidas terem prioridade na atribuição de médico de família, recorda que tentou, no passado, convencer os responsáveis políticos da importância de as mulheres serem acompanhadas sempre pelo mesmo clínico durante a gravidez, sem sucesso. “Diziam que os diabéticos, por exemplo, podiam reclamar o mesmo direito”, recorda.
Quanto à proposta que visa tornar universal o acesso à educação pré-escolar para as crianças a partir dos quatro anos (em vez dos actuais cinco), a directora do departamento de pediatria da Hospital de Santa Maria considera-a um avanço, mas lembra que é quando os filhos são mais pequenos que os pais têm mais dificuldades para encontrar creches que possam pagar.
Os projectos, que vão ser discutidos na generalidade na próxima quarta-feira, prevêem ainda a elaboração de um relatório anual sobre natalidade em sede de Orçamento do Estado e a criação de um portal da família.
O ginecologista Luís Graça não deposita grandes esperanças na eficácia destas medidas. São “apenas gestos de boa vontade”, comenta. “Os que os casais querem é estabilidade financeira”, diz o médico. “Basta olhar para a quebra da natalidade verificada nos últimos anos para perceber que coincidiu com a desgraça económica do país. Enquanto isso não estiver resolvido, será difícil inverter este fenómeno”.
A demógrafa Maria João Valente Rosa considera que estas medidas, ainda que possam ajudar, “vão demorar tempo a produzir efeitos”. E questiona o facto de não surgir em nenhuma das propostas a questão da imigração e da emigração, que são “fulcrais”, porque muitos casais que saem do país estão justamente em idade fértil. Lamenta ainda que não haja metas, custos e impactos quantificados. “Precisamos de uma estratégia, não de políticas aos soluços”, conclui.
Já Ana Cid Gonçalves, da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, acredita que, “em termos genéricos, as medidas são boas”, ainda que observe que, no estudo que fizeram há dois anos, “a grande maioria das famílias” queria reduzir o horário de trabalho em “apenas duas horas”. Mas reforça que há muitas medidas positivas e destaca a que permitirá às famílias numerosas pagarem menos 50% de impostos na aquisição de viaturas com mais de cinco lugares, tal como a possibilidade do teletrabalho.
Fonte: Público, 12 de abril de 2014