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Governo promete Simplex na Saúde

Será de mudança o futuro próximo anunciado para a Saúde dos portugueses. Após quatro anos em grande parte dedicados a operações de subtração nas contas dos cuidados assistenciais públicos, o novo Governo afirma ter como objetivo adicionar uma parcela à equação: as pessoas. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) não só é para manter, como deverá ser capaz de responder às necessidades de quem a ele recorre, em tempo útil e com qualidade.

O ‘tratamento’ — que não será de choque pois o novo ministro da Saúde já disse que a defesa do SNS será feita “sem crispação” — começa antes da doença. É anunciado um programa de educação para a saúde, literacia e autocuidados para preparar quem cuida no domicílio, prevenir a diabetes e a obesidade ou para promover o uso seguro de medicamentos. Numa das primeiras intervenções como governante, no Congresso Nacional de Medicina, no Porto, Adalberto Campos Fernandes deixou uma garantia: “Os objetivos de defesa do SNS e de promoção da saúde integram um importante capítulo no programa do Governo relativo ao que chamamos prioridade às pessoas.”

Para colocar o utente no centro do sistema é feita uma aposta na acessibilidade, informatização e humanização do SNS, que dará aos cuidados primários o lugar de destaque. A mensagem parece agradar. Associações de utentes, médicos, enfermeiros ou administradores admitem que o ‘prognóstico’ é bom e as expectativas grandes.

A gestão do acesso ao SNS será feita de um centro de contactos a partir do qual o cidadão ficará a saber onde é mais rápida a marcação de consultas de especialidade e exames e até se deve deslocar-se à Urgência, ficando isento da taxa moderadora. Os restantes copagamentos hoje exigidos em muitos dos serviços também serão reduzidos.

Pagar menos e escolher mais
À população é prometido pagar menos e escolher mais. Um sistema integrado de acesso permitirá maior liberdade de escolha, numa primeira fase entre unidades na mesma região e com a mesma capacidade técnica. Para funcionar, será necessário que os dados do doente estejam onde é preciso e é anunciada uma maior portabilidade da informação. O Simplex da Saúde andará a par com um reforço tecnológico para monitorizar e tratar à distância.

Limitar as deslocações dos utentes ao estritamente necessário é outra das orientações, privilegiando a movimentação dos profissionais. O SNS voltará à base: os cuidados primários terão de ser capazes de dar as respostas iniciais. Centros de saúde e unidades de saúde familiar — com mais 100 prometidas nesta legislatura — devem ter mais serviços, em áreas como pediatria, psicologia ou nutrição e até alguns exames. Nas farmácias haverá também mais para dispensar, no caso terapêuticas para cancro, hepatite C e VIH.

A defesa da proximidade prosseguirá na assistência aos mais velhos e dependentes, com apoio aos cuidadores informais e a integração das prestações da Saúde com as da Segurança Social. Relação que tem falhado. No plano mais político, os hospitais públicos com gestão privada ficam sob observação.

Crítico da anterior governação, o bastonário da Ordem dos Médicos confessa ter “expectativas muito positivas” sobre a atuação de Adalberto Campos Fernandes, médico e antigo gestor dos hospitais de Santa Maria e de Cascais e recentemente no SAMS. Em declarações recentes, José Manuel Silva defendeu que “a primeira grande preocupação de qualquer ministro da Saúde terá de ser com a reforma dos cuidados primários”, pois “todo o sistema estará desequilibrado enquanto houver cidadãos sem médico de família”.

O presidente da Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar está de acordo com o bastonário sobre o “relançamento qualificado do SNS”, em particular “a necessidade de recuperar a centralidade da rede de cuidados primários”. Ainda assim, João Rodrigues é cauteloso: “O objetivo é consensual; a questão é que nada se diz sobre como se vai lá chegar. Mais, não chega falar em médico de família, é necessário ter como objetivo garantir a todos uma equipa de saúde familiar: além do médico, enfermeiro de família, secretário clínico, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, entre outros.”

Para os enfermeiros a integração em equipas de saúde familiar é uma exigência antiga, que volta a estar na mesa. Defendem ser necessário “revogar a municipalização dos cuidados primários e as taxas moderadoras, cessar a entrega de hospitais às Misericórdias” ou “fazer regressar à gestão pública os hospitais em parcerias público-privada”, elenca José Carlos Martins, presidente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. E claro, a “reposição do valor das ‘horas penosas’ e mais admissões”.

Urgências com equipas dedicadas
Preocupações semelhantes têm os médicos: “Solidificar a carreira”, “progressão periódica” e “descanso compensatório”. O presidente do Sindicato Independente dos Médicos, Roque da Cunha, soma o desejo de “equipas dedicadas na Urgência” e melhores remunerações. “A escassez de médicos, a contratação agressiva pelos privados e as significativas mais-valias remuneratórias fora do país justificam a recuperação dos salários.”

O sector privado assume-se cooperante. “Vamos colaborar com as políticas que conduzam à total transparência no relacionamento com o SNS, incluindo a separação progressiva do exercício profissional”, afirma Artur Osório Araújo, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada. E acredita que “o ministério será do sistema de Saúde e não somente dos prestadores públicos, esperando que a liberdade de escolha caminhe para a efetividade em todo o sistema”.

Os administradores públicos dão uma garantia. “Neste tempo de escassez, em que se impõe maior e melhor resposta, seremos um aliado na obtenção de melhores resultados e no reforço da sustentabilidade do SNS.” O ministro já tem resposta. “À volta de uma mesa, a discussão terminará sempre e só quando nos entendermos sobre qual é o interesse público.”

O ESTADO DA SAÚDE

Hoje os portugueses têm vidas que, em média, se prolongam até aos 80 anos, chegando aos 83 no caso das mulheres. A população conta com mais nove anos de esperança média de vida do que no início do Serviço Nacional de Saúde (SNS), em 1979. Os avanços na medicina têm sido essenciais e os serviços de saúde vêm concretizando os progressos: por exemplo, quando o SNS tinha um ano de vida, morriam 15,4 por 1000 recém-nascidos e agora ronda os dois óbitos. Nos adultos, a mortalidade é sobretudo por doenças do aparelho circulatório e cancro.

O SNS deve ser quase gratuito, no entanto a população tem pago cada vez mais, desde logo em taxas moderadoras. Os encargos das famílias com a saúde já ultrapassam um terço (34%) da despesa total, ou seja, um valor muito acima dos 15% a 20% que a Organização Mundial da Saúde recomenda.

A medicina cada vez mais técnica e assente no trabalho de equipa permitiu aumentar os cuidados em ambulatório, mas o benefício obrigou a concentrar a oferta e, assim, a encerrar muitas unidades. Os 493 hospitais públicos e privados que funcionavam no país em 1980 estão reduzidos a 226, menos de 50 como centros hospitalares do SNS. Traduzem-se em mais de 35 mil camas, que há 35 anos eram superiores a 50 mil.

Ao invés dos fechos no meio hospitalar, as farmácias abriram mais portas. No início da década de 90 eram perto de 2500 e no ano passado ascendiam a 2889. A rede garante uma cobertura de grande proximidade, muitas vezes assegurando a primeira resposta especializada aos doentes. São estes estabelecimentos que comercializam as mais de 1500 moléculas diferentes no mercado nacional, 650 comparticipadas pelo Estado.

Nos serviços públicos de saúde não há médico assistente para todos — um milhão de utentes não tem médico de família —, mas no país não faltam clínicos. No SNS há 2,7 médicos por mil habitantes e 4,1 incluindo o sector privado, neste caso mais do que a Espanha (3,8) ou a Inglaterra (2,8) e acima da média da OCDE (3,4). Ao todo, o país tem quase 47 mil médicos, 26.645 em unidades do Estado; mais de 66 mil enfermeiros, 38.089 no SNS; perto de nove mil dentistas e quase 15 mil farmacêuticos.

Artigo originalmente publicado no Expresso de 5 de dezembro de 2015

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