Obra reúne ensaios de 21 investigadores e alerta para os “efeitos perversos” de algumas reformas no Serviço Nacional de Saúde, demasiado focadas na produtividade.
As métricas, indicadores e protocolos impostos aos profissionais de saúde nas reformas feitas nos últimos anos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente nos centros de saúde, estão a “tornar os cuidados de saúde mais impessoais e padronizados”, afastando-os das reais necessidades dos doentes. Esta é uma das principais mensagens deixadas no livro Novos Temas de Saúde, Novas Questões Sociais, que será apresentado nesta quinta-feira, em Lisboa, num lançamento que, segundo o ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, é “apadrinhado” pelo ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes.
“Continuamos a ver a formulação de políticas de saúde muito centradas em questões técnicas que não reflectem toda a complexidade do sistema. O livro procura, por isso, dar visibilidade a efeitos que são muitas vezes invisíveis na opinião pública e mesmo perante os decisores políticos”, adiantou ao PÚBLICO Tiago Correia, investigador do ISCTE e, juntamente com Graça Carapinheiro, coordenador da obra que reúne ensaios sobre vários temas de saúde de 21 investigadores da área da sociologia e ciências sociais.
“A formulação de políticas vai muito no sentido de tornar o doente no ponto central [do SNS] e aquilo que nós percebemos é que as políticas efectivamente tomadas não colocam o doente como central”, acrescenta Tiago Correia. O professor destaca em especial a reforma dos cuidados de saúde primários, com a criação em 2006 das chamadas unidades de saúde familiar (USF) e que teoricamente representam uma nova geração de centros de saúde onde o grupo que forma a unidade tem de cumprir mais indicadores e assegurar uma resposta mais rápida ao utente.
No entanto, o investigador frisa que alguns dos ensaios mostram que, na realidade, a relação entre médico e doente nos cuidados primários ficou mais “impessoal e padronizada”, com os profissionais a construírem a relação com o doente com demasiado foco no computador. É o caso do texto de Lurdes Teixeira, do Instituto Politécnico de Saúde do Norte (Cespu) e do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, que questiona “como compatibilizar a rígida definição de tempos e actos com as particularidades do real contexto de vida de cada doente? As pessoas precisam de mais consultas ou de mais tempo de consultas?”. A autora critica, ainda, “a relação médico e enfermeiro/doente cada vez mais mediada pelo computador”.
Também o trabalho de Hélder Raposo, da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa – Instituto Politécnico de Lisboa e do ISCTE, alerta para os “efeitos perversos” da sobrecarga dos profissionais, que está a afastar os médicos de família dos doentes. “A sociologia tem discutido muito todos os efeitos perversos da padronização e da introdução de protocolos e a própria medicina também o faz. Os médicos, no dia-a-dia, não conseguem encaixar o doente com o cumprimento de indicadores e muitas vezes deparam-se com uma escolha”, corrobora Tiago Correia. “Existe a percepção de que estamos a tornar o sistema mais eficiente e a prestar melhores cuidados, mas não temos a certeza disso pois estamos a colocar em causa os princípios de humanização e de personalização de cuidados”, acrescenta.
Ainda sobre os cuidados primários, o coordenador da obra destaca que os problemas criados não são apenas para os utentes, lembrando que os próprios profissionais de saúde que não trabalham nas novas USF e que ainda estão nos antigos centros de saúde têm “condições laborais e salariais diferentes” que geram uma “grande disparidade interna”.
Quanto à forma como os utentes circulam, com um excessivo recurso às urgências, adianta que os ensaios sobre este tema mostram que “o que as pessoas fazem reflecte uma lógica muito racional: o cidadão quer uma resposta o mais curta possível para o seu problema, mobilizando os recursos que tiver de mobilizar”. O ensaio de Rosemarie Andreazza, do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina fala precisamente deste problema no SNS e na relação entre público e privado em Portugal.
Para Tiago Correia, a junção dos vários ensaios comprova que agora “o desafio é tornar as políticas de saúde numa resposta às pessoas”, depois do caminho percorrido no século XX, em que o foco foi a expansão dos serviços. “No século XXI temos uma população altamente escolarizada, altamente crítica e que vai reivindicar mais espaços para a decisão sobre a sua vida, a gestão da sua doença e a sua morte.” Uma reivindicação que o investigador acredita que conduzirá a mais “autonomia, liberdade” e, consequentemente, a “resultados de saúde diferentes”.
Fonte: Público, 18 de fevereiro de 2016
Sem ter tido acesso aos estudos partilho completamente destas opiniões.
O médico tem menos autonomia, tem de saber todos os protocolos e NOCs, obrigando a ENCAIXAR o doente nesses sitios pré definidos, esquecendo a complexidade clinica ,social, psicológica que terão de ser integrados