Em 2014 licenciaram-se 2633 estudantes de enfermagem, mas 2850 profissionais pediram declaração para emigrar
Há mais enfermeiros a sair do país do que aqueles que estão a sair das faculdades. Em 2014 formaram-se nas escolas de enfermagem 2633 licenciados e nesse mesmo ano a Ordem dos Enfermeiros emitiu 2850 declarações a profissionais para poderem exercer fora de Portugal. A falta de emprego, as melhores condições financeiras e a garantia de progressão na carreira no estrangeiro tem levado muitos a sair. A bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, defende uma redução de vagas e a criação de um plano estratégico para a saúde que coloque os ministérios do Ensino Superior e da Saúde a falar.
2014 foi o ano da viragem. Foi o primeiro em que houve mais emigrações do que enfermeiros formados em Portugal (ver infografia). Mas até aí, o número não andava muito longe e eram pouco menos os que pediam declaração para emigrar dos que eram formados por ano. “Temos um problema grave, com mais pessoas a emigrar do que as que são formadas. Gastamos dinheiro a formar e damos de bandeja a outros países porque Portugal não está a contratar”, afirma Ana Rita Cavaco, salientando a dualidade do problema: “Por um lado temos excesso de formação e por outro faltam enfermeiros no SNS porque não estão a ser contratados”.
Entre os que pedem a declaração para sair do país a maioria são profissionais inscritos há menos de um ano e os que estão inscritos há quatro ou mais anos. “Não é só o desemprego. Também estão a sair enfermeiros com mais anos de carreira e mais qualificados. Noutros sistemas de saúde sentem-se valorizados financeiramente e com evolução profissional”, aponta.
“Muitos países regateiam por enfermeiros portugueses porque a qualidade da formação é boa, têm uma capacidade técnica acima da média e com mais competências que outras”, salienta, referindo que a falta de enfermeiros no SNS está a criar dificuldades. De acordo com o Inventário da Saúde, em 2014, estavam no SNS 39 mil enfermeiros, mas o cenário que tem encontrado no terreno e já anteriormente denunciado é profissionais a menos para as necessidades dos serviços. “Metade da formação são estágios em centros de saúde e hospitais e já começamos a ter problemas com campos de estágios. Temos formandos a mais e enfermeiros a menos no SNS, o que torna difícil orientar os alunos e ter tempo para prestar cuidados. Felizmente os serviços que não têm capacidade não estão a aceitar alunos, mas há estudantes de Évora a estagiar em Lisboa”, diz.
No site da Direção-Geral do Ensino Superior estão registadas 41 escolas de enfermagem, públicas e privadas. “Estamos a gastar recursos que não temos e a formar para o desemprego e para fora. Falámos com o anterior secretário de Estado do Ensino Superior que partilhava da nossa visão, que Portugal precisa de ter uma estratégia na saúde. As escolas não se mostraram disponíveis porque teriam menos dinheiro e teriam de despedir docentes”, refere.
Ana Rita Cavaco ainda não conseguiu falar com o ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, para expor a situação. “Vamos enviar um ofício com os dados todos e porque defendemos uma redução de vagas. Fá-lo-emos com a associação de estudantes de enfermagem e ao conhecimento do Ministério da Saúde. Os dois ministérios têm de falar para perceber o que faz sentido em termos de sustentabilidade”, salienta. O DN questionou o Ministério do Ensino Superior, mas não obteve resposta. O Ministério da Saúde reencaminhou o tema para o Ensino Superior e ordens profissionais.
Uma viagem a Riade com 7 anos
Sofia Macedo tem 33 anos e trocou Portugal primeiro por Inglaterra e depois pela Arábia Saudita. “A questão monetária é a primeira razão para vir, mas depois ficamos por outras. A minha foi a oportunidade de crescimento profissional. Cheguei a Riade como enfermeira de cuidados gerais, passei por várias posições e agora sou responsável pelo departamento de investigação do hospital onde trabalho. Pensava ficar um ano, já lá vão sete”, conta.
Em Portugal ganha 1200 euros mensais brutos. Em Riade, num hospital governamental, começou por ganhar cerca de 3200 limpos. Agora é mais como responsável. “Não é assim com todos, porque os valores dependem do hospital”, diz, referindo que a decisão de ir para a Arábia Saudita foi tomada num minuto. Até agora sem qualquer arrependimento. “Portugal não está no horizonte, mas tenho pena. Se me pagassem metade do que ganho voltava”, diz. Mas a sair será provavelmente para voltar a Inglaterra, onde esteve um ano.
Fonte: Diário de Notícias, 30 de março de 2016