A procura dos dispendiosos e muitas vezes sobrelotados serviços de urgência (SU) continua a aumentar em Portugal e a um ritmo cada vez mais acelerado, contrariando os objectivos do ministro da Saúde. Nos primeiros oito meses deste ano, fizeram-se perto de 4,3 milhões de atendimentos nestes serviços vocacionados para receber casos graves, mais 195 mil do que no mesmo período do ano passado. Um aumento de 4,8%, agravando uma tendência que contraria as expectativas de Adalberto Campos Fernandes. O governante anunciou em Janeiro que estava prevista uma redução em 3,7% (menos 225 mil) dos episódios de urgência até ao final do ano.
O problema é que uma parte substancial destes doentes poderia, em teoria, ter sido atendida nos centros de saúde ou outros locais sem ter de recorrer a serviços com a complexidade e os custos dos SU hospitalares. Veja-se o caso da região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) onde, nos primeiros oito meses deste ano, quase metade dos doentes (46,6%) não foram triados como casos urgentes, segundo os mais recentes dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Atribuiram-lhes pulseiras brancas (falsas urgências), azuis (não urgentes) e verdes (pouco urgentes), de acordo com a triagem de Manchester efectuada à entrada dos SU.
Esta região foi também aquela onde a procura mais cresceu neste período (6,6%). No resto do país, a percentagem de casos não urgentes ou pouco urgentes é inferior a 40%, à excepção do Alentejo, mas representa, ainda assim, mais de um terço do total.
O aumento da procura dos SU já tinha sido assinalado em Agosto passado, quando foram conhecidos os dados do primeiro semestre. O ministro da Saúde sublinhou então que era necessário deixar passar mais tempo para se poder sentir o impacto da contratação, em curso, de novos médicos para os centros de saúde. Mas a situação agravou-se entretanto. Durante os meses de Julho e de Agosto passados, eventualmente por causa do calor, o aumento da procura ainda foi mais acentuado.
Os responsáveis da ACSS tinham também adiantado que estava em preparação uma série de medidas para contrariar o problema. Medidas que passam pela atribuição de incentivos, em 2017, aos centros de saúde que consigam um maior controlo dos seus doentes crónicos, de forma a evitar a descompensação e agudização das patologias, porque se sabe que é este tipo de problemas que muitas vezes os leva a ter de recorrer aos SU.
A Unidade Local de Saúde de Matosinhos antecipou-se entretanto e arrancou esta semana com um projecto anunciado como “inovador” que pode vir a aliviar a procura do SU e que passa por uma nova forma de resposta aos chamados doentes crónicos complexos, que serão apoiados por uma equipa que inclui um enfermeiro “gestor de caso”, na prática uma espécie de procurador de saúde do paciente.
Delinear programas de saúde e sociais para dar resposta aos chamados utilizadores frequentes (os que vão mais de quatro vezes por ano às urgências) para evitar a agudização da sua situação clínica é uma estratégia que faz todo o sentido, considera o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, que não se surpreende com o aumento da procura dos SU.
Especulando que a ligeira diminuição das taxas moderadoras, em vigor desde o início do ano, pode ter tido “um efeito marginal” neste fenómeno, o administrador acentua que as principais explicações são estruturais. ”Com o agravar da situação social e o envelhecimento da população é natural que a procura aumente”, diz Alexandre Lourenço, para quem uma das soluções passará pelo alargamento dos horários dos centros de saúde.
Uma vez que o maior pico da procura se verifica habitualmente as oito e as dez da noite, os centros de saúde deviam estar abertos até às 22 horas, mesmo que isso implique os médicos comecem a trabalhar mais tarde, diz. “Não basta ter mais médicos, é preciso reorganizar o trabalho”, enfatiza.
O fenómeno do sobreconsumo de urgências já está mais do que diagnosticado. Um recente estudo revelou que Portugal é o país da OCDE (no conjunto de 27 países estudados) com mais episódios de urgência per capita. Em 2015, os gastos com urgências hospitalares ascenderam a 350 milhões de euros para um total de mais de 6,1 milhões de atendimentos.
Fonte: Público, 24 de outubro de 2016