O ministro da Saúde adiantou esta quarta-feira no Parlamento que encontrou um saldo negativo no Serviço Nacional de Saúde (SNS) de 260 milhões de euros, relativo ao final de 2015, bem superior ao anunciado pelo anterior Governo, que previa um défice de apenas 30 milhões de euros. Ouvido na Assembleia da República, num debate sobre políticas de saúde pedido pelo PS, Adalberto Campos Fernandes admitiu também que a reposição das 35 horas de trabalho semanais deverá implicar um aumento da despesa e reconheceu que será necessário contratar mais profissionais de saúde em algumas instituições do SNS.
“No sector da saúde é admissível que [a reposição das 35 horas] comporte um acréscimo de custos”, reconheceu aos jornalistas, no final do debate parlamentar, lembrando que o trabalho no SNS se baseia em turnos. Sem conseguir precisar os impactos concretos da reposição das 35 horas semanais, sublinhou que a resposta a esta questão só poderá ser dada no momento em que se souber quando é que a lei entra em vigor. “Ser aplicada em Junho não é o mesmo que ser aplicada em Maio”, justificou. A reposição das 35 horas de trabalho semanais na função pública foi um dos temas dominantes do debate parlamentar, com o PSD e o CDS-PP a insistirem no apuramento dos efeitos desta medida.
A alusão ao défice do SNS passou quase despercebida, mas permitiu concluir que, afinal, em 2015 a tendência para o decréscimo se inverteu. Nos últimos anos, os dados do Programa Orçamental da Saúde apontavam uma diminuição progressiva do défice do SNS: se em 2010 o valor ascendia a perto de 800 milhões de euros, depois foi caindo até cerca de 250 milhões de euros em 2014, mas o que estava previsto para 2015 era um “buraco” final de apenas 30,2 milhões de euros.
A síntese divulgada esta semana pela Direcção-Geral do Orçamento (DGO) indica, de facto, que o défice do SNS em 2015 (agora já integrando as contas dos hospitais EPE) foi mesmo superior ao do ano anterior, totalizando 259,4 milhões de euros. O aumento da despesa ficou a dever-se, em grande medida, aos produtos farmacêuticos, sobretudo à introdução de novos medicamentos para a hepatite C, lê-se no documento da DGO.
No Parlamento, a deputada do CDS-PP Isabel Galriça Neto defendeu, a este propósito, que é preciso comparar o valor do défice do ano passado com o de 2011 (“700 milhões de euros”) e pediu ao ministro que explicasse o que pretende fazer, sem se ficar “pelas ideias vagas”.
Em resposta a esta e outras interpelações dos deputados, Adalberto Campos Fernandes assegurou que não tem “um discurso vazio” e que possui “uma ideia para o SNS” que considerou ter ficado nos últimos quatro anos “mais iníquo, mais desigual e mais inacessível”. Com o Governo anterior, lamentou ainda, o investimento nos hospitais públicos “caiu para níveis residuais” e agora a equipa que lidera confronta-se com a necessidade de “recuperar equipamentos avariados e disfuncionais”.
Respondendo directamente ao deputado social-democrata Miguel Santos, que queria perceber como vai o ministro da Saúde “cortar 48 milhões de euros nas urgências”, como adiantou na semana passada, o ministro questionou “a sua fixação na linha do orçamento” e deixou uma pergunta: “Não podemos, com o mesmo orçamento, ainda que marginalmente superior, ter uma visão mais humana?”
De resto, Adalberto Campos Fernandes voltou a afirmar que dois dos seus principais compromissos passam por garantir tempos de resposta adequados aos problemas de saúde dos utentes e por promover um combate mais alargado à fraude no SNS. Anunciou, a propósito, que o actual centro de conferência de facturas, a funcionar na Maia, vai passar a ter funções mais globais de “controlo e monitorização” das contas do serviço público, já em 2017.
Na intervenção inicial, o governante tinha adjectivado os anos do executivo de Pedro Passos Coelho como uma “oportunidade perdida” para o sector, considerando que “os objectivos de reforma estrutural foram sacrificados pela redução financeira”. “A indispensável reforma dos hospitais ficou por fazer”, exemplificou, criticando que se tenham reduzido as respostas de proximidade.
Nesta legislatura, o ministro quer, por isso, “recentrar a acção política nos processos de reforma e modernização do SNS” e defende que é “urgente dotar o SNS de capacidade adequada para responder de forma eficaz às necessidades das pessoas”, ao mesmo tempo que se propõe contrariar a “tendência tão negativa dos últimos anos de desvalorização do capital humano”. Por isso, garantiu que será “muito exigente com os tempos de espera”, mas sem deixar de “partilhar toda a informação a que o cidadão tem eticamente e legalmente direito” – mesmo em situações de incumprimento por parte do Estado.
Antes de Campos Fernandes, já a deputada socialista Luísa Salgueiro tinha elencado as reformas que a nova tutela tinha colocado em marcha nos primeiros dois meses de legislatura. Como exemplo, citou a redução das taxas moderadoras e algumas mudanças nas urgências hospitalares. O ministro acrescentou, depois, mais algumas promessas: já em 2017 o centro de conferência de facturas do SNS vai conhecer um novo impulso no combate à fraude, passando a ser um “centro de controlo e monitorização do SNS”. Também a Linha Saúde 24 passará a agregar mais serviços, descrevendo-a o ministro como um “centro de contacto integrado dos serviços prestados ao cidadão” por todo o SNS.
O ministro disse também que pretende apostar mais nos cuidados de saúde primários, dando-lhes mais valências, e assegurou que vai rever em breve as regras de transporte de doentes não urgentes, para conjugar tanto a necessidade clínica como a carência económica dos utentes. A aposta nos cuidados continuados, nomeadamente apoiando os cuidadores informais, é outro dos compromissos.
Fonte: Público, 27 de janeiro de 2016