Em Portugal, estima-se que a população de utilizadores de longo prazo e/ou regulares de opiáceos, cocaína e/ou anfetaminas atinja entre 4,3% e 5% dos habitantes com idades entre 15-64 anos.
Os problemas de saúde relacionados com o consumo de substâncias psicoativas são um motivo cada vez mais frequente da procura de respostas (diagnóstico, tratamento e acompanhamento) junto dos Médicos de Família. Situação que se tem agravado com esta época de crise, com aumento dos problemas sociais, do desemprego e do abandono escolar.
Estes consumos, quer de substâncias legais (Tabaco e Álcool), quer de substâncias ilegais (Heroína, Cocaína, Anfetaminas e Canabinóides) ou ainda, os policonsumos, têm contribuído para o aumento da morbilidade e mortalidade por problemas de doença associados (HIV e Hepatites), além dos comportamentos antissociais e da criminalidade não poupando, dramaticamente, as camadas cada vez mais jovens. Os consumidores e seus familiares, as primeiras vítimas deste flagelo, exigem, cada vez mais, respostas diferenciadas dos cuidados de saúde locais, assim como a mobilização dos recursos das comunidades, no combate a esta epidemia.
Atento a esta problemática, o Governo Regional dos Açores, através da sua Secretaria Regional da Saúde, pretende criar as condições para os Centros de Saúde terem um papel mais ativo no tratamento das dependências. Para tal, e numa fase inicial, irá disponibilizar a formação dos profissionais dos Cuidados de Saúde Primários e estabelecer a orgânica da transferência destes utentes para os seus respetivos Médicos de Família, assegurando um melhor acesso às terapêuticas farmacológicas e ao apoio dos hospitais através dos serviços de Psiquiatria.
Estima-se que 205 milhões de pessoas em todo o mundo consumam substâncias ilícitas, incluindo 25 milhões que sofrem de dependência dessas substâncias.
Em Portugal, estima-se que a população de utilizadores de longo prazo e/ou regulares de opiáceos, cocaína e/ou anfetaminas atinja entre 4,3% e 5% dos habitantes com idades entre 15-64 anos (30833 – 35576), dos quais 20 a 30000 estão em tratamento.
Estudos epidemiológicos regionais indicam que em 2009, 14,8% da população açoriana havia experimentado ou consumido substâncias ilícitas pelo menos uma vez na vida, valores superiores aos aferidos no Continente, que foram de 12% em 2007.
Os Cuidados de Saúde Primários pela sua acessibilidade, abrangência e sustentabilidade, são por excelência o veículo de resposta diferenciada e organizada à problemática do consumo de substâncias de abuso. Mais do que reduzir os danos, o êxito das respostas e a prevenção de recaídas, resulta de uma abordagem multidisciplinar baseada no conceito de recuperação, privilegiando as opções terapêuticas mais seguras (buprenorfina/naloxona) para toma domiciliária, em doses terapêuticas corretas, evitando o mau uso e o consumo paralelo ou opções mais económicas como a metadona, mas com mais riscos e exigindo uma administração supervisionada.
Compete ao médico de Medicina Geral e Familiar e à sua equipe dos Cuidados de Saúde Primários dar a primeira resposta a uma situação de dependência, e acompanhá-la em todo o processo, desde a prescrição e manutenção do tratamento psicofarmacológico até à abstinência e reintegração social. A ocupação laboral, aliada à intervenção psicossocial e farmacológica constituem os eixos de intervenção de um processo de mudança em que as comunidades também devem assumir um papel pró-ativo.
A concentração destas situações em entidades dedicadas a estes tratamentos tem-se revelado problemática contribuindo para a implantação de autênticos guetos sem acompanhamento e uma verdadeira integração na comunidade. Contribuindo por vezes para a degradação desses locais e para que os doentes sejam rejeitados pelas comunidades.
Em sintonia com a Organização Mundial de Saúde, o Governo Regional dos Açores entende que o desenvolvimento da toxicodependência é resultado de uma interação complexa e multifatorial entre a exposição repetida a drogas e fatores ambientais e biológicos. Trata-se de uma doença geralmente prolongada que segue um padrão crónico-recidivante, caracterizado por remissões e recaídas. É uma doença evitável e que tem como tratamento disponível e mais eficaz, numa abordagem multidisciplinar abrangente, combinada com a terapêutica de manutenção com agonistas opióides.
Pretendemos que esta reestruturação, pioneira em Portugal, possibilite um cuidado de proximidade a estes doentes e que permita, também, reduzir o estigma e melhorar a sua reinserção social.
Assistente Graduado Sénior de Medicina Geral e Familiar do Centro de Saúde da Povoação – Açores
Fonte: Público, 28 de outubro de 2014