Artigo da autoria de Luís Filipe Pereira – Economista e Ex-Ministro da Saúde
O primeiro caso de covid 19, no país, surgiu em 2 de Março de 2020, e a resposta inicial de combate à pandemia consistiu no confinamento da população, entre Março e Abril.
Este confinamento, quase total, teve por objectivo óbvio evitar a propagação do vírus mas também evitar o colapso do SNS. O colapso foi, de facto, evitado o que se deveu fundamentalmente a duas razões : ao comportamento da população que começou o confinamento mesmo antes do Governo (que hesitou inicialmente) decidir essa medida e à suspensão da actividade de assistência aos doentes não covid.
Desde o primeiro desconfinamento, em Maio 2020, o combate à pandemia veio mostrar uma actuação do Governo marcada pela reacção ao evoluir da crise e não por uma acção baseada numa estratégia e planeamento que pudesse antecipar, na medida do possível, os acontecimentos e tomar as medidas eficazes e atempadas que se impunham.
A estratégia que se revelou decisiva, nos países que, até agora, tiverem maior sucesso no combate à pandemia, consistiu numa actuação coordenada, atempada, eficaz quanto ao quadruplo aspecto: rastrear/identificar/testar/isolar.
Isto é, foi fundamental, a partir do conhecimento e rastreio de um novo caso, identificar as pessoas que com ele estiveram em contacto, testá-las e isolar aquelas cujos testes se revelaram positivos e tudo isto num período muito curto, desejavelmente, num período de 24 horas.
Ora, logo no primeiro desconfinamento, em Maio, a falta de planeamento e preparação levou a que não fossem afectados meios humanos adequados e suficientes para o rastreio das cadeias de transmissão que conduzisse ao isolamento rápido das novas pessoas infectadas.
Segundo dados vindos a público recentemente, a Alemanha tinha já em Março de 2020, 1 rastreador por 4.000 habitantes e Portugal em Outubro só tinha 1 para 20.000 habitantes.
No que respeita aos testes vem agora o Governo, em Fevereiro de 2021, (quase um ano depois do inicio da pandemia) dizer à opinião pública que a grande variável para o combate ao vírus é a intensificação e massificação dos testes. Cabe, neste contexto, perguntar: Porquê só agora este reconhecimento do papel essencial dos testes ? Porque não houve uma estratégia de testar massivamente a população (por exemplo testando massivamente os concelhos de risco elevado ou extremamente elevado)? Porque não se incentivaram as pessoas as pessoas a realizarem testes, por sua iniciativa, só levantando agora a exigência de uma prescrição médica para o efeito? Porque só agora, quase um ano depois, decidir testar os contágios de baixo risco?
A falta de estratégia não se traduziu apenas na incapacidade e ineficiência de actuação face a este quádruplo aspecto. Existiram decisões erradas e erros de comunicação que afectaram o comportamento da população. Por ex. autorizaram-se espectáculos e eventos públicos quando ao mesmo tempo vigoravam restrições severas às famílias (nos funerais, casamentos, nas práticas religiosas etc) dando sinais contraditórios e afectando negativamente o comportamento individual.
Ora o comportamento individual, que percepcione e interiorize o risco, é de facto, um factor fundamental mas é moldado, também, pelas decisões impostas pelo Governo. Sublinharia , até, que à medida que a pandemia passou a ser parte da vida das pessoas, o seu comportamento quanto ao risco modificou-se, como aconteceu no abrandamento da pandemia, de Abril a Novembro, e neste contexto a actuação do Governo terá que ser o factor determinante e decisivo.
O que se assistiu, no entanto, ainda que dissimuladamente , foi à tentativa de responsabilizar o comportamento individual como causa principal do agravamento da crise, quer no recrudescimento dos novos casos a partir de meados de Outubro , quer no final de Janeiro, com Portugal no topo mundial da mortalidade e do nº de novos casos. Na realidade estes deveram-se, no essencial, à acção ou omissão do Govermo em tomar as medidas adequadas, como foi o caso, por ex., no Natal de 2020, em que se preferiu tomar medidas mais brandas mas populares e não medidas eficazes mas impopulares.
A falta de estratégia traduziu-se também na falta de planeamento, por exemplo na coordenação dos hospitais, evidente e visível neste “pico” de Janeiro, ou numa organização e planeamento deficientes como se verificou com o POI-Plano de Outono e Inverno que foi considerado pela própria Ordem dos Médicos como insuficiente, incompleto e não consolidado em domínios fundamentais, operacionais, para responder aos doentes covid e não covid.
E este último aspecto, o da não assistência aos doentes não covid, ilustra também de forma concludente a falta de estratégia no combate â pandemia.
Decidiu-se, simplesmente, suspender a assistência aos doentes não covid sem oferecer ou considerar sequer alguma alternativa, de forma global, integrada, à população, contribuindo fortemente para o aumento da mortalidade.
E apesar dos recursos escassos do SNS era possível, principalmente naquele período de maior acalmia da pandemia, entre Abril e Novembro, recorrer de forma articulada, atempada, às iniciativas privada e social, o que não foi feito principalmente por preconceitos ideológicos.