Resumo: Atualmente o predomínio da tecnologia obriga as instituições de Saúde a renovarem-se e atualizarem os seus procedimentos, adotando estratégias de marketing para aumentar a satisfação do seu consumidor, o utente. À luz da linguagem de marketing, a jornada do consumidor inclui todo o seu percurso na instituição, desde o primeiro contato até ao período pós-venda de um produto/serviço. Todos pontos de contacto dessa jornada constituem possíveis fontes de criação de valor. Assim, podemos aplicar esse conceito ao utente que interage com os serviços de saúde – Cuidados de Saúde Primários.
Palavras-chave: Marketing na Saúde; Jornada do consumidor; Cuidados de Saúde Primários.
- Introdução
A jornada do consumidor inclui todo o seu percurso na instituição, desde o primeiro contato até ao período pós-venda de um produto. Esta jornada, assim como todos os seus pontos de contacto são úteis e constituem possíveis fontes de criação de valor. (Tavassoli,N. 2020). Aplicando o conceito da jornada do consumidor ao setor da saúde, a marcação de consulta presencial com o Médico de Família (MF) é um exemplo deste conceito. Atualmente, o utente pode solicitar o agendamento através de: (1) contacto telefónico para a sua Unidade de Saúde Familiar (USF); (2) e-mail; (3) presencialmente. Cabe ao serviço efetuar o agendamento, tendo em conta o período de funcionamento da USF e a disponibilidade do MF, informando posteriormente o utente do dia e hora da consulta através de: (1) contacto telefónico; (2) e-mail; (3) carta. O processo para a marcação de consulta através de e-mail implica os seguintes passos: (1) envio de um e-mail para a instituição de saúde; (2) receção e análise do e-mail pelos Secretários Clínicos (SC); (3) SC procede ao agendamento da consulta de acordo com a agenda do MF; (4) SC envia e-mail ao utente a informar o dia e hora da consulta. Por outro lado, o agendamento de consulta através de contacto telefónico implica que: (1) utente realize contacto telefónico; (2) SC atenda atempadamente a chamada; (3) SC proceda ao agendamento da consulta e informe o dia e hora da consulta agendada.
- Expectativas do utente
Efetivamente, as expectativas do consumidor são crenças prévias sobre um produto, que servem como padrões ou pontos de referência para comparação com o desempenho real do mesmo. (Zeithaml, VA; Berry, LL; Parasuraman, A, 1993) As fontes indiretas de criação de expectativa incluem: (1) fatores pessoais como a personalidade, crenças, valores do utente face ao seu estado de saúde, física e mental; (2) experiências passadas, próprias ou de conhecidos que por residirem na mesma área geográfica podem promover o “passar a palavra”.
As expectativas do utente prendem-se com a resposta de receção do e-mail, atendimento de chamada ou retorno da mesma, num curto período de tempo. Além disso, o utente pretende a receção de uma resposta personalizada à situação em específico, ou em última análise, uma resposta automática. Na verdade, perante a descrição do horário que mais convém ao utente para a consulta, este espera que a sua agenda e disponibilidade sejam tidas em consideração. Adicionalmente, o utente tem a expectativa de ter a consulta com o máximo de brevidade possível. Na perspetiva do médico é necessário o cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos (TMRG)(Diário da República n.º 86/2017, 2017) para cuidados de saúde prestados na unidade funcional. Exemplos paradigmáticos desta situação são:
- Motivo relacionado com doença aguda: atendimento no próprio dia do pedido.
- Motivo não relacionado com doença aguda: deve ser marcada uma consulta programada com realização dentro de um prazo máximo de 15 dias úteis.
- Consulta no domicílio: 24 horas contadas da receção do pedido, se a justificação do pedido for aceite pelo profissional.
O cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos, definidos em Decreto Lei é um exemplo de fontes diretas (promessa explícita). Além disso, um exemplo de fonte direta (promessa implícita) é o horário de funcionamento entre as 8 e as 20 horas. Este horário transmite a ideia de acessibilidade, embora nem todo esteja destinado a consultas programadas, sendo por isso necessário considerar o horário do profissional de saúde, particularmente o destinado a atendimento assistencial.
O trabalho dos SC divide-se entre o atendimento presencial, telefónico e via e-mail. Assim, um grande volume de e-mail dificulta a gestão de tarefas e prejudica o correto atendimento a nível presencial e telefónico. No que concerne ao atendimento telefónico, este é dificultado pela multiplicidade de tentativas de contacto telefónico e impossibilidade de retorno de todas as chamadas, pela falta de registo de número de telefone. O atendimento via e-mail associado às expectativas de cumprimento dos tempos máximos de resposta e de forma personalizada, desvirtuam os SC das suas restantes funções, com menor resposta nessas áreas, reduzindo a satisfação dos utentes. Adicionalmente, pode aumentar os conflitos entre utentes e profissionais gerando uma sobrecarga organizacional e emocional.
- Atendimento telefónico – Plataforma eletrónica
Com intuito de responder ao atendimento telefónico foram criadas plataformas eletrónicas, cujo objetivo primordial é a gestão de chamadas recebidas nas unidades de saúde nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), efetuadas pelos utentes. Estas plataformas permitem gerir as chamadas recebidas, bem como aceder às informações das chamadas, possibilitando: (1) o retorno da chamada; (2) efetuar configurações na sua conta (número de telefone para retorno da chamada) e notificações da plataforma, com alerta sonoro; (3) inserir comentários e a tipificação do motivo, entre outras funcionalidades.(Manual- Relatório do Usuário, disponível em https://aurorainnovation.com/pt-pt/material-educacional-sobre-novas-funcionalidades-no-aurora-teleq/).
Efetivamente, após implementação de medidas de marketing digital, através de uma plataforma eletrónica espera-se um aumento da satisfação global dos utentes, promovendo maior eficácia global do atendimento prestado. A criação de uma plataforma digital cria valor, quer para o utente, quer para os profissionais. Não obstante, não resolve todas as expectativas do utente, pois pretende a prestação de um serviço adequado que, poderá não corresponder ao desejado pelo utente.
- Conclusão
As estratégias de marketing na saúde promovem a criação de valor para a instituição. Nos CSP existem vários exemplos ilustrativos da jornada do utente: (1) pedido de medicação crónica; (2) solicitação do atendimento pelo Médico ou Enfermeiro de família nas várias tipologias de consulta. Cabe aos profissionais de saúde reconhecerem a jornada, bem como a sua importância. Efetivamente, em cada ponto de contacto do utente com a instituição há possibilidade de erro e espaço para melhoria.
Por último, é necessário reconhecer a impossibilidade de atendermos a todas as expectativas dos utentes sendo, por isso, fundamental a criação de estratégias com foco nesse aspeto. Informar os utentes dos procedimentos da USF, bem como dos seus direitos e deveres torna-se uma ferramenta basilar na sua mudança de perspetiva. Deste modo, a padronização de procedimentos entre profissionais de saúde, bem como o cumprimento de regulamentos poderá permitir uma gestão em saúde mais eficaz e eficiente.
Artigo da autoria de Inês Genésio (Mestrado Integrado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; Médica Interna de MGF desde 2020 na USF São Bento, ACeS Gondomar; Pós-graduada em Gestão na Saúde pela Católica Porto Business School), Inês da Costa (Mestrado Integrado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; Médica Interna de MGF na USF Eça de Queirós, ACeS Grande Porto IV; Pós-graduada em Gestão na Saúde pela Católica Porto Business School)