Resumo
A referenciação em dermatologia é um processo essencial para a deteção precoce do cancro de pele, mas algumas dificuldades práticas limitam o seu completo potencial. Este artigo foca-se no projeto de investigação Derm.AI que procura um processo mais eficaz de referenciação, de modo a potenciar a resposta em Teledermatologia, entre Cuidados de Saúde Primários e os Cuidados de Saúde Hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Os principais desafios nos pedidos de referenciação estão relacionados com a dificuldade no processo de obtenção de imagens, a fraca qualidade das mesmas e dificuldade em triar de forma célere os casos mais graves, tendo em conta o número de profissionais e o número elevado de pedidos.
O projeto Derm.AI desenvolveu uma aplicação móvel pensada para integrar com o sistema de referenciação do SNS. Essa aplicação foi testada num piloto desenvolvido com a Unidade Local de Saúde da Guarda (outubro de 2020 a agosto de 2021), com avaliação positivas, tanto da parte dos Médicos de Família, com dos Dermatologistas. Palavras-chave: DERM.AI; Inteligência Artificial; Referenciação; Dermatologia; Cuidados de Saúde Primários; Teleconsulta
Enquadramento e Propósito do Projeto
As neoplasias da pele correspondem anualmente a cerca de um terço da totalidade dos cancros detetados em Portugal e o número de casos tem aumentado dois a três por cento ao ano. A prevenção e deteção precoce são cruciais para a inversão dos números atuais de neoplasias cutâneas. [1]
Atualmente, é amplamente aceite que a referenciação em dermatológica constitui um processo essencial para a deteção precoce do cancro de pele, mas várias dificuldades práticas e comuns são um desafio em alcançar de seu pleno potencial.
A anexação de imagens da lesão cutânea ao pedido de referenciação apresenta claras vantagens, em comparação com os métodos clássicos de referenciação dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) para os Cuidados Hospitalares (CSH), permitindo uma melhor seleção e priorização das queixas dermatológicas do doente, bem como a referenciação/agendamento para subespecialidades dermatológicas.
Um exemplo de desafio existente verifica-se que durante o processo de recolha das fotografias e anexação das mesmas aos pedidos de referenciação, por parte dos Médicos de Medicina Geral e Familiar, nos CSP. De forma genérica, enfrentam os seguintes problemas:
1. a focagem das imagens das câmaras digitais convencionais não é adequada para fotografias em close-up;
2. o processo atual de anexar fotos via USB acarreta risco de erros;
3. é frequentemente a compressão / redimensionamento da imagem adquirida, levando a uma diminuição na qualidade da mesma.
No caso dos Dermatologistas, nos Cuidados de Saúde Hospitalares, que analisam posteriormente os pedidos de referenciação e procedem à triagem dos mesmos, as barreiras mais comuns geralmente encontradas são:
• A decisão de encaminhamento a dar baseada em reduzida informação adicional, não padronizada;
• A qualidade das imagens rececionadas não permite uma adequada priorização dos casos referenciados;
• Incapacidade de realizar a priorização de casos na janela de tempo desejada, dada a discrepância demarcada entre o grande número de pedidos e dermatologistas disponíveis.
Deste modo, o projeto de investigação Derm.AI teve dois principais objetivos, de modo a simplificar e aumentar a eficiência do processo de referenciação em Teledermatologia entre CSP e os CSH do Serviço Nacional de Saúde (SNS):
A. Fácil captura das imagens dermatológicas (lesões cutâneas) e associação ao caso no sistema de referenciação do SNS pelo médicos nos cuidados primários;
B. Suporte à decisão médica do triador hospitalar – com Inteligência Artificial de Priorização de Risco e Apoio à Decisão.
Aplicabilidade da Inteligência Artificial (AI) na referenciação dos cuidados de saúde primário para os cuidados de saúde hospitalares – dermatologia)
O uso de Inteligência Artificial (IA) no campo da dermatologia pode trazer benefícios significativos para os médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF) e dermatologistas, auxiliando na captação de imagens das lesões cutâneas e na priorização de Risco e Apoio à Decisão, respetivamente.
A IA irá auxiliar o médico de MGF no processo de aquisição de imagens macroscópicas de lesões de pele através de uma interface simples e intuitiva adaptada especificamente para este processo de referenciação. Esta interface consiste numa aplicação móvel baseada em visão computacional. A aquisição da imagem é realizada utilizando algoritmos de processamento de imagem em tempo real para controlar a focagem e os parâmetros da câmara, juntamente com métodos de segmentação automática das lesões de pele para guiar visualmente o utilizador e selecionar a região de interesse correta para análise futura. A funcionalidade, de fácil utilização, simplifica o processo de captação das imagens clínicas uma vez que garante a qualidade das imagens recolhidas e melhora a qualidade da informação adquirida. Facilita os processos de recolha de informação por parte dos médicos de MGF, e de receção da informação por parte dos dermatologistas, que a recebem com boa qualidade.
Outra forma de utilização da IA em dermatologia é a utilização de métodos de aprendizagem automática e visão computacional para avaliar e analisar com mais precisão imagens dermatológicas e informações clínicas, como por exemplo a idade e sexo do utente. A imagem adquirida é comparada com imagens visualmente mais semelhantes de uma biblioteca anonimizada e pré-estabelecida de imagens que capturam a mesma patologia. Este procedimento ajuda a decidir a prioridade dos pedidos de triagem no processo de referenciação no SNS para os utentes que necessitam de consulta médica de especialidade, a melhorar a gestão das filas de espera para as consultas de dermatologia pelo apoio ao processo de tomada de decisão das prioridades de risco. Este módulo da aplicação classificará a lesão em três categorias diferentes: Normal, Prioritária, Muito Prioritária. [2]
A qualidade de informação na referenciação, seja da imagem como dos registos, pode resultar no aumento da capacidade resolutiva de vários casos à distância. Os dermatologistas podem melhor priorizar o caso (gestão de agendamento) e mesmo evitar a consulta presencial. Nos casos em que não é necessária uma avaliação presencial, podem assim ser comodamente resolvidos em teleconsulta em tempo diferido. Ou seja, os casos mais urgentes são melhor priorizados na fila de triagem e a agenda para consulta presencial pode se focar nos em que importa uma avaliação presencial, deixando os restantes casos resolvidos com indicações e orientação terapêutica em teleconsulta.
Evidencia-se assim que uma solução desta natureza poderá trazer grandes vantagens para os profissionais de saúde, no entanto vão existir sempre limitações e margem para melhoria. Outro instrumento de grande interesse passaria pela existência de um processo que alertava o profissional quando as imagens carregadas na prática clínica não estivessem corretamente captadas ou mesmo outras funcionalidades capazes de agilizar as tarefas administrativas na referenciação.
Apesar das grandes potencialidades da IA na dermatologia, no esforço de deteção e diagnóstico da precoce da patologia cutânea, deverá ser sempre tida como uma ferramenta de apoio clínico e à decisão do mesmo.
Reflexão e Contributos dos especialistas da unidade de saúde piloto (ULS Guarda) para o desenvolvimento do projeto
O Projeto ”DERM.AI – Utilização de Inteligência Artificial para Potencializar o Rastreio Teledermatológico”, com referência DSAIPA/AI/0031/2018, é financiado pelo orçamento da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., através do programa “Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico em Ciência dos Dados e Inteligência Artificial na Administração Pública 2018”. Este projeto é liderado pelo Fraunhofer Portugal AICOS (FhPAICOS), em parceria com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E.P.E. (SPMS) e visa aumentar a eficiência do processo de Teledermatologia entre Cuidados de Saúde Primários e Serviços de Dermatologia do Serviço Nacional de Saúde. Este projeto contou ainda com o apoio da Unidade Local de Saúde da Guarda, IPO de Coimbra, Centro Hospitalar Universitário do Porto no que se refere a inputs clínicos dos médicos.
O piloto desenvolvido na ULS Guarda que teve início em outubro de 2020 e fim em agosto de 2021. Este piloto teve como objetivo validar e melhorar uma aplicação móvel que auxilia a aquisição de imagens dermatológicas no processo de telereferenciação nos Cuidados de Saúde Primários e garantir a receção de imagens dermatológicas com melhor qualidade nos Serviços de Dermatologia das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.
De acordo com a dermatologista, Dr. Fátima Cabral (Dermatologista na Unidade Local de Saúde da Guarda, onde iniciou o Serviço de Dermatologia no Hospital Sousa Martins em 1995. Faz telemedicina desde 2005, quando iniciou Teleconsultas no âmbito do projeto Galegu),a utilização da aplicação foi bastante benéfica, uma vez que, permitiu a receção das imagens com boa qualidade conferindo maior segurança à teleconsulta – “Com o recurso à aplicação móvel, verificámos uma melhoria significativa. Para o Dermatologista, a imagem vale mais que mil palavras, permitindo uma adequada priorização para as consultas presenciais e informação enviada ao Médico de Família, sempre que a opção seja de teleconsulta, permitindo uma diminuição das deslocações dos utentes aos hospitais, envolvendo-o no tratamento da patologia cutânea dos seus doentes. No global, com a possibilidade de melhor avaliação e segurança clínica, tornando possível a teleconsulta, há redução do número de doentes observados em ambiente hospitalar e consequente diminuição do tempo de espera para a consulta presencial e tratamento hospital”.
Da perspetiva do médico de MGF, Dr. João Patrocínio (mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Coimbra, é Médico especialista em Medicina Geral e Familiar e Coordenador da Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados ( UCSP) do Sabugal ) o projeto veio facilitar o processo de captura e envio das imagens e consequentemente diminuir o tempo de consulta – “este projeto trouxe melhorias ao procedimento de referenciação e triagem, nomeadamente no que diz respeito ao assegurar a qualidade de imagem e uma uniformização, a todos os referenciadores, de qualidade, tipo de ficheiro e tamanho adequado deste. Assim, esta aplicação corta alguns passos que consomem muito tempo precioso em consulta.”. É ainda de salientar que ambos os especialistas não tiveram dificuldades em manusear a aplicação, que apresentava uma interface simples e intuitiva.
Conclusão/ reflexões finais
O piloto decorrido no âmbito do projeto foi entusiasticamente recebido e demonstrou ter vantagens para ambos os especialistas em questão, tanto para os médicos de MGF como também para os dermatologistas. Por parte dos médicos de MGF porque veio agilizar o processo de captura das imagens clínicas e por parte dos dermatologistasterá permitido a receção de imagens com melhor qualidade, garantindo mais segurança nas teleconsultas. Ambas as partes apontam potenciais reduções no tempo médio de consulta foi reduzido e consequentemente nas filas de espera para a especialidade.
Referências
1. “Associação Portuguesa Cancro Cutâneo”. URL: http://www.apcancrocutaneo.pt [acedido em outubro 2021].
2.Moreira, D., Alves, P., Veiga, F., Rosado, L. and Vasconcelos, M. (2021). Automated Mobile Image Acquisition of Macroscopic Dermatological Lesions. IN Proceedings of the 14th International Joint Conference on Biomedical Engineering Systems and Technologies (BIOSTEC 2021) – Volume 5: HEALTHINF, pages 122-132
Autores
Joana Santos Xavier (Serviços Partilhados do Ministério da saúde -SPMS), Maria de Fátima Domingues Azeredo Cabral (ULS Guarda – Serviço de Dermatologia), João Pedro Silva Lima Patrocínio (ULS Guarda – UCSP Sabugal), Salomé Antunes dos Santos Salvado Fonseca Fonseca (Serviços Partilhados do Ministério da saúde -SPMS), Rafael Franco (Serviços Partilhados do Ministério da saúde -SPMS).