Artigo da autoria de João Alexandre Reis, Enfermeiro Especialista no CHVNG/E EPE; mestre e pós-graduado em Gestão e Administração de Serviços de Saúde
A saúde é um bem fundamental e o seu acesso equitativo um direito universal de todos os cidadãos. Sistemas de Saúde (SS) “saudáveis” caracterizam-se habitualmente por um equilíbrio entre a capacidade de produzirem cuidados de forma equilibrada e o seu real consumo, pelo que, a sustentabilidade deverá traduzir-se pelo grau de ajustamento entre as características e as necessidades de uma população e os recursos de saúde por “ela” produzidos.
A dinâmica de um Sistema de Saúde é complexa. Deverá ser baseada na interação e no equilíbrio dos diferentes agentes intervenientes: liderança e governação; recursos humanos e materiais, conhecimento; financiamento; fornecedores; informação; infra-estruturas disponibilização dos serviços, população; princípios e valores e naturalmente objectivos e resultados.
Os serviços de saúde (SS), cada vez mais complexos, tendem a evoluir no sentido de se adaptarem às mudanças sociais, demográficas e epidemiológicas. Leone (2011, p. 16) define as Organizações de Saúde (OS) como “estruturas dinâmicas, vivas, complexas que convivem com a incerteza, contradição e o conflito constante”.
A gestão das OS é, assim, um desafio, não só devido à complexidade, diferenciação e especificidade do setor, mas também, à “teia” de intervenientes, lógicas de mercado, modelos de governação e mudanças sociais constantes. A sustentabilidade e a eficiência são a chave e, portanto, uma temática constantemente em voga em particular em países como Portugal cujo sistema de saúde enfrenta dificuldades económicas, financeiras e organizacionais crónicas.
Destacam-se, entre outros, alguns desafios na gestão de OS: escassez de recursos humanos diferenciados, a imprevisibilidade da procura, o crescimento das despesas (em particular devido ao envelhecimento da população) e respetiva pressão para reduzir custos, as alterações climáticas e os desastres naturais, a ilitercia social em saúde, as doenças emergentes, as iniquidades de acesso, a transformação digital, o aumento progressivo da exigência por parte dos governos, prestadores de serviços de saúde e utentes, e as novas formas de financiamento.
Sendo o eficiente desempenho da gestão das OS diretamente influenciado por fatores que se constituem como desafios e em alguns casos até mesmo obstáculos, torna-se fundamental adequar os modelos de gestão económica e laboral no sentido de fornecer cuidados de alta qualidade que sejam seguros, eficazes, eficientes, acessíveis, equitativos e centrados no utente. O sucesso de uma boa gestão de SS, tem um impacto extremamente importante na economia de um pais, em particular, ao nível do crescimento produto interno bruto e do desenvolvimento social.
Este artigo tem como objetivo identificar e refletir sobre alguns desafios à gestão e liderança das OS a que os gestores, lideres políticos e cidadãos deverão dar respostas. Estas, devem garantir por um lado a disponibilidade do serviço e por outro a racionalidade e sustentabilidade do “sistema”.
A imprevisibilidade e a complexidade dos Sistemas de Saúde, está fortemente presente nas Organizações de Saúde na medida em que estas não conseguem padronizar as suas ações, prever a real procura dos serviços de saúde nem sistematizar a sua produção. A dificuldade de prever serviços desta natureza, traduz-se na incógnita da produção de recursos correspondentes e por conseguinte, quando produzidos por defeito ou de forna inadequada podem originar constrangimentos e gargalos. A facilidade de acesso a uma grande quantidade de informação em saúde disponível, muitas vezes pouco clara e incorreta, associada à incerteza provocada pelo desequilíbrio de conhecimentos entre utente e profissional de saúde e ainda e a iliteracia em saúde, resulta numa procura dos cuidados de saúde ora em excesso ora em defeito por parte das populações, contribuindo uma vez mais para a imprevisibilidade na produção a montante.
Os efeitos demográficos, como a migração o o envelhecimento, são também desafio das OS uma vez que estes aspetos causam pressão na procura por serviços de saúde. As necessidades de saúde estão em constante mudança o que conduz à alteração das expectativas que os utentes passam a querer ver satisfeitas e, por conseguinte, à alteração das suas exigências. Em particular os efeitos do envelhecimento (que maiores recursos consome) obriga à implementação de respostas (e mudanças) alterando o paradigma de “curativo” para “preventivo” e o foco no envelhecimento ativo e saudável, apostando fortemente nos cuidados de saúde primários, terceiro setor e respostas informais.
A iniquidade de acesso aos cuidados de saúde, traduzida pelas desigualdades e dificuldades sentidas pelos utentes, são outro desafio importante que se coloca à gestão das OS. A título de exemplo, em 2021 cerca de novecentos mil portugueses não tinham médico de família atribuído. A abrangência dos cuidados é outra preocupação. A medicina dentária, a psiquiatria, a reabilitação, os cuidados continuados ou paliativos são áreas cuja a existência ou o acesso em tempo útil carece de um investimento serio sob o risco de os utentes insuficientes económicos não conseguirem aceder a este tipo de serviços.
Nos desafios à gestão das OS, o financiamento tem um lugar de destaque, visto que, tal como referido, verifica-se atualmente um aumento dos custos e despesas de saúde, provocado pelo aumento da esperança média de vida, pela disponibilização de equipamentos e recursos cada vez mais tecnológicos, pela oferta de tratamentos mais inovadores e, por conseguinte, mais caros. A “alteração contínua das necessidades da população exige flexibilidade do sistema, de forma a garantir respostas adequadas”. No âmbito desta mudança a inovação tecnológica tem um importante papel e requer a adaptação de infraestruturas, instrumentos e métodos de trabalho. A “isto”, acresce o subfinanciamento crónico dos SS que associado à falta de autonomia financeira e à tendência para cortes austeros que conduzem à insustentabilidade financeira das organizações. È sabido que redução “cega” dos custos em Saúde no seio de uma organização, é um forte impulsionador de obstáculos a uma gestão eficaz.
A literatura refere ainda um conjunto de desafios que se relacionam com a liderança e a governação, elementos integrantes da dinâmica do sistema de saúde (figura 1). O desconhecimentos das características das OS, por parte de gestores e administradores, a falta de motivação, a ausência de supervisão, o planeamento e os recursos inadequados são, de acordo com Tabrizi et al. (2017), barreiras aos sistemas de saúde. Mateus (2015, p. 18) considera, ainda, como desafios na gestão das OS a “diversidade de atores organizacionais especializados e diferenciados” e a “gestão de interesses dos grupos dominantes” frequentemente desalinhados com as necessidades e interesses das administrações. O empenho organizacional obriga a que se adotem posições de liderança flexíveis, adaptadas à realidade e contextos e que tenham em conta a melhor gestão de recursos, em especial, os humanos para salvaguardar o bem-estar organizacional. Os recursos humanos são o ativo mais importante das organizações e em particular nas OS devido ao elevado nível de especificidade e de conhecimentos técnicos destes profissionais. Estes, em especial pela sua especificidade, constituem desafios na gestão das OS, de entre os quais é possível salientar: vínculos de trabalho tendencionalmente mais precários; salários inadequados às funções e responsabilidade; congelamento de progressões nas carreiras, elevados níveis de absentismo, turnover e burnout; corporativismo e suporte sindical que impede frequentemente mudanças e ajustes organizacionais de grupos profissionais como médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica…ainda a indisponibilidade imediata de “mão de obra especializada” por exemplo para colmatar necessidade temporárias ou sazonais. Estes e outros desafios obrigam a modelos de gestão e liderança focados nos colaboradores, em particular na satisfação das suas necessidades laborais e familiares que garantam o maior empenho organizacional e o alinhamento destes com a missão e os valores das organizações.
A segurança do paciente, a qualidade dos cuidados prestados e a redução dos erros médicos dependem não só dos profissionais de saúde e das suas competências técnicas, mas também da forma como as decisões em saúde são tomadas. Deste modo, os conceitos de gestão empresarial, liderança e melhoria contínua devem estar presentes na administração das OS. Publicações recentes identificam frequentemente o conceito Lean Healthcare ou seja, a adoção de boas práticas de gestão e de organização que visam a diminuição dos desperdícios e a sustentabilidade, contribuindo para a motivação dos profissionais de saúde, para a melhoria da qualidade dos serviços prestados e para o sucesso das OS. Hoje, os gestores das OS devem ser capazes de fazer a transição entre as práticas culturais existentes e os novos paradigmas socioecónomicos, adaptando, assim a gestão e a prestação dos cuidados de saúde às necessidades da população e às limitações económicas.
Muito interessante, tocou nos pontos sensíveis Dr. Neves, parabéns.