Resumo: O sistema de saúde de um país, a sua organização, a inovação e a sustentabilidade são determinantes no estado de saúde da sua população (OPSS, 2009).
O setor da saúde está em constante mudança, pois fatores como as alterações demográficas, sociais e políticas, os constrangimentos económicos, a exigência de uma maior eficiência e o desenvolvimento tecnológico, determinam que este seja alvo de novos desafios que implicam mudanças no seu desenvolvimento, com impacto na cobertura, universalidade e sustentabilidade económica e financeira (OPSS, 2009).
Os modelos de financiamento em saúde têm sido objeto de análise por parte das organizações internacionais, as quais têm manifestado preocupação com o aumento da despesa em saúde, tentando identificar possíveis causas (Campos e Simões, 2011, citado por Diniz, 2013), uma vez que nos últimos anos se constata que o financiamento da saúde constitui um dos principais desafios que se colocam aos países ocidentais, seja qual for o seu modelo de sistema de saúde.
Palavras-chave: Sistema de Saúde; Equidade
Os sistemas de saúde são de uma grande complexidade, pois envolvem vários fatores. O grande desenvolvimento tecnológico, científico, económico e social verificado nas últimas décadas permitiu dar resposta a vários problemas do passado (Sousa, 2009), como a mortalidade infantil, a esperança média de vida, a cobertura, a eficiência e a qualidade dos cuidados de saúde.
Esta evolução contribuiu para que no presente sejamos confrontados com novos problemas, tais como, as alterações nas necessidades de cuidados de saúde motivadas pelo aumento da esperança de vida e pelo envelhecimento da população e a maior incidência e prevalência de doenças crónicas (Sousa, 2009). Este contexto, gera novos desafios para a sustentabilidade dos sistemas de saúde.
Face a tal realidade, conhecer a evolução dos sistemas de saúde é uma prioridade, pois só assim, podemos compreender melhor os fatores que influenciam esta configuração e tendência.
O sistema de saúde português e sua evolução
Portugal segue o modelo de Beveridge que (…) apresenta quatro princípios básicos: o acesso universal, a inclusão de todos os tratamentos, a gratuitidade e o financiamento pelo orçamento geral do Estado. Além disso, assenta num sistema público, financiado pelos impostos e em que o direito à saúde é independente do trabalho e do emprego (…) (Escoval, 2003, citado por Diniz, 2013, p. 7).
A evolução do sistema de saúde português foi marcada, nos últimos 30 anos, por um conjunto de fatores que, segundo Sousa (2009), poderão ser analisados em quatro planos distintos: a questão da responsabilidade social e individual no financiamento da saúde; a possibilidade de se evoluir para um Estado Garantia, que para além de regular, possa ser prestador de cuidados; a aposta no cidadão, num contexto científico e social e, também, numa mudança de gestão, de acordo com o sistemas de saúde em transição. Segundo o mesmo autor, Portugal tem sofrido sucessivas transformações, num contexto de rápida transição de paradigma tecnológico e social, nomeadamente na área da saúde, em períodos de tempo particularmente curtos.
Apesar das irregularidades, segundo o Relatório Final do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar (…) a empresarialização dos hospitais foi um bom instrumento de melhoria da qualidade da oferta existente, do aumento do acesso e da modernização do parque hospitalar (Garrido, 2012, p. 50).
Com base no exposto, pode-se afirmar que, em Portugal nos últimos 30-40 anos, as políticas de saúde evoluíram significativamente:
- antes dos anos 1970 (sistema de saúde muito fragmentado);
- do início dos anos 1970 a 1985 (estabelecimento e expansão do Serviço Nacional de Saúde);
- de 1985 a 1995 (período de expansão do Serviço Nacional de Saúde numa rede mais ampla de prestadores de cuidados do setor social e privado, de regionalização e coordenação do Serviço Nacional de Saúde, de incremento da participação do setor privado, de construção hospitalar e de tentativa de separação do exercício médico entre setores privado e público);
- de 1995 a 2002 (período marcado por uma tentativa de estimular formas diferentes de gestão e organização-empresarialização pública de instituições de saúde, e pela adopção de uma estratégia de saúde explícita);
- de 2002 até ao momento actual (expansão e reorientação das políticas definidas anteriormente, com uma nova filosofia em relação aos papéis dos setores público, privado e social).
(Sousa, 2009, p. 886)
Pode-se concluir que nestas quatro décadas ocorreram, entre outras mudanças igualmente significativas, a transferência generalizada dos hospitais das Misericórdias para o controlo do Estado, a criação do SNS, a publicação da Lei de Bases da Saúde, a transformação do estatuto jurídico dos hospitais públicos, a construção de novos hospitais no âmbito de parcerias público-privadas (PPP) e a aposta crescente de grandes grupos económicos na área da saúde (Eira, 2010).
Equidade em Saúde
O debate sobre o financiamento dos cuidados de saúde focaliza-se em duas importantes questões – a sustentabilidade e a equidade. Contudo, as diferentes opções podem afetar pelo menos uma destas dimensões, uma vez que certas medidas promotoras da sustentabilidade financeira levam a uma maior despesa privada, representando um risco para o objetivo da equidade (Simões et al 2004). Também Whitehead (1990) refere que apesar de se reconhecerem as vantagens da utilização de medidas de eficiência o seu aumento não conduz, necessariamente, a um aumento da equidade (Miguel e Bugalho, 2002, p. 66).
O termo equidade é, nas palavras de Le Grand (1989), “…um termo… capaz de um número quase infinito de interpretações, que dependem dos valores das pessoas que os utilizam” existindo, contudo, interpretações do termo mais amplamente aceites do que outras, tais como, “igual tratamento para igual necessidade” ou “igualdade de acesso” (Nunes, 2012, p. 42), estando diretamente associado a noções de justiça social e distribuição. Tal, vai ao encontro da definição descrita pelos autores Marmot et al. (2008), Marmot (2007) e WHO (2010) de “… equidade em saúde como a ausência de diferenças evitáveis, injustas e passíveis de modificação do estado de saúde de grupos populacionais de contextos sociais, geográficos ou demográficos diversos” (Plano Nacional de Saúde 2012-2016, p. 2). Assim, tal como refere Whitehead (1990) a equidade concerne, pois, à criação de oportunidades iguais para a saúde e à redução dos diferenciais de saúde para o mínimo possível (pela acção sobre os fatores que se consideram evitáveis e desonestos) (Miguel e Bugalho, 2002, p. 61).
Não se pode falar sobre cuidados de saúde, sem mencionar a equidade, critério essencial da justiça social. Nenhuma sociedade pode ser indiferente à desigualdade de saúde, enquanto for possível agir sobre as causas e efeitos, sociais e individuais(…). Neste sentido, atingir o objetivo da equidade em saúde é um princípio social (Vandenbroucke, 2003, p. 2).
Ao longo dos anos, a equidade em saúde tem sido uma preocupação constante. Em 1986 foi tema de debate pela OMS na primeira conferência internacional sobre a promoção da saúde, sendo descrita na Carta de Ottawa como um dos oito pré-requisitos para a saúde (OMS, 1986, citado por Albrecht et al., 2017) e atualmente é um dos principais objetivos dos sistemas de saúde, uma vez que a OMS defende que todo o indivíduo deve ter a possibilidade de atingir o seu potencial máximo de saúde, sem que os determinantes económicos e sociais de cada um influenciem, de forma decisiva, a consecução desse objetivo (Furtado e Pereira, 2010).
Contudo, existem desigualdades, evitáveis, em saúde que se caracterizam pelas diferenças no estado de saúde e nos respetivos determinantes entre os diferentes grupos da população (Plano Nacional de Saúde 2012-2016).
No que diz respeito ao termo desigualdade em saúde, denominada, igualmente, iniquidade em saúde
(…) entende-se um tipo particular de diferença na saúde que pode ser potencialmente moldado/mitigado por políticas de saúde (Braveman, 2006). Whitehead (1992) por sua vez define desigualdades em saúde como diferenças em saúde que, não só são desnecessárias e evitáveis, como são também desleais e injustas (Nunes, 2012, p.43).
As iniquidades têm origem, não só nos determinantes sociais da saúde (trabalho, educação, estrutura familiar), influenciados pelas políticas públicas, sociais e macroeconómicas, como também nos estilos de vida e, determinantemente, no acesso aos cuidados de saúde (Furtado e Pereira, 2010).
Segundo Miguel e Bugalho (2002) as iniquidades em saúde podem ser moldadas mediante a implementação de políticas externas e internas ao setor da saúde que promovam a equidade global e a equidade no acesso, na qualidade e na utilização dos cuidados de saúde.
A redução das iniquidades em saúde obtém-se agindo nos fatores determinandes, entre os quais no acesso aos cuidados de saúde (Furtado e Pereira, 2010).
Equidade de acesso aos cuidados de saúde
A equidade no acesso aos cuidados de saúde é, uniformemente, considerada como um pilar fundamental nos sistemas de saúde (Baleizão, 2010). Segundo o Ministerio de Sanidad y Política Social (2010) considera-se como “(…) uma dimensão da equidade e defini-se como a obtenção de cuidados de qualidade necessários e oportunos, no local apropriados e no momento adequado” (Plano Nacional de Saúde 2012-2016, p.2).
Nesse sentido, no que concerne o acesso aos cuidados de saúde, importa considerar os dois conceitos de equidade existentes, a equidade vertical, que se refere a um tratamento diferente, mas apropriado, aos indivíduos em situações de saúde divergentes e a equidade horizontal que diz respeito a um idêntico tratamento perante as mesmas necessidades (Wagstaff e van Doorslaer, 2000, citado por Nunes, 2012). Assim, para um determinado nível de necessidade, espera-se que a oportunidade de ter acesso a cuidados de saúde seja a mesma para todos os cidadãos, independentemente do seu estatuto, rendimento, género, educação, etc. (Wagstaff e Van Doorslaer, 2000, citado por Nunes, 2012).
As características da população em conjunto com as do sistema de prestação de cuidados vão influenciar a utilização e o acesso aos cuidados de saúde (Furtado e Pereira, 2010). Nesse sentido, é de extrema importância que as estratégias ou políticas destinadas a promover o acesso aos cuidados de saúde sejam avaliadas, não só pelos serviços disponíveis, mas também pela capacidade dos indivíduos utilizarem e beneficiarem dos mesmos (Furtado e Pereira, 2010). Pois, os cuidados de saúde devem estar disponíveis de forma idêntica e deve haver uma oportunidade igual para usar os serviços por parte daqueles que têm uma necessidade idêntica (Miguel e Bugalho, 2002, p. 63).
Ao considerarmos a equidade no acesso a cuidados de saúde como um dos fatores determinantes para a eliminação das iniquidades no estado de saúde, torna-se evidente que os comportamentos que promovam a seleção de doentes (Nunes, 2012), as limitações financeiras dos indivíduos e a desigual distribuição de serviços de saúde nos países (Miguel e Bugalho, 2002) são incompatíeis com os objetivos de equidade de acesso estabelecidos pelos sistemas de saúde. Assim sendo, para que o princípio da equidade seja respeitado não devem existir incentivos à selecção de clientes associados a menores custos e a uma maior rentabilidade e os modelos de financiamento utilizados devem garantir uma distribuição equitativa de recursos, não beneficiando nem penalizando prestadores nem consumidores (Nunes, 2012).
Os sistemas de saúde têm de ser acessíveis. Este é um dos princípios enunciados na Carta Social Europeia, que salienta a importância de critérios transparentes para o acesso ao tratamento médico e a obrigação dos Estados-Membros de disporem de um sistema de saúde que não exclua partes da população de receber serviços de cuidados de saúde (Comissão Europeia, 2014, p.8).
Conclusão
Nestes últimos anos, face às alterações da estrutura demográfica, dos padrões epidemiológicos de várias doenças, à evolução tecnológica e à dinâmica financeira e económica de um mercado global, tem-se verificado um ritmo de crescimento dos gastos em saúde superior ao do crescimento económico, onde a sustentabilidade dos sistemas de saúde é posta em causa. Tal facto, impõe desafios ao próprio financiamento do sistema, o que motivou o aprofundamento de conhecimentos no âmbito desta temática.
Ao longo dos capítulos desenvolveram-se os aspetos históricos e conceptuais dos sistemas de saúde e dos modelos de financiamento de cada país e as suas implicações na saúde e na equidade de acesso aos cuidados.
As pesquisas realizadas evidenciam claramente que os modelos de financiamento têm um impacto direto na equidade de acesso e na eficiência hospitalar. Nesse sentido, verificou-se que foram várias as reformas implementadas, com o intuito de controlar os gastos e aumentar a eficiência, destacando-se a responsabilização da gestão e a empresarialização dos hospitais.