O presidente do colégio da especialidade de oncologia da Ordem dos Médicos, Jorge Espírito Santo, considera “totalmente inaceitável” a hipótese de a farmacêutica Roche suspender o fornecimento de alguns medicamentos usados no tratamento do cancro a hospitais públicos portugueses, à semelhança do que decidiu fazer na Grécia.
A Roche anunciou hoje que suspendeu o fornecimento de alguns fármacos a hospitais públicos na Grécia que não pagaram as contas. Numa entrevista ao Wall Street Journal, o presidente da empresa admitiu a possibilidade de ser necessário fazer o mesmo em Espanha, Itália e Portugal.
Há hospitais que “não pagam as contas há três ou quatro anos”, justificou ao jornal americano o presidente executivo da Roche, Severin Schwan. “Chega-se a um ponto em que o negócio já não é sustentável”. A mesma medida poderá ter de ser adoptada em Espanha, acrescentou o executivo, notando ainda que alguns hospitais públicos em Itália e Portugal também têm pagamentos em atraso.
“Nem quero acreditar que isso possa acontecer. Embora um laboratório não possa estar sempre a fornecer um bem que não é pago, não me parece que seja uma boa política suspender o fornecimento de medicamentos, em particular na oncologia. Isso implicaria rupturas nos tratamentos e isso é absolutamente impensável”. Tal como há uma ética médica, há uma ética dos interesses privados”, defende Jorge Espírito Santo.
Ouvido pela TSF, o presidente da Associação dos Administradores Hospitalares, Pedro Lopes, admitiu que o mesmo possa acontecer em Portugal. “Tem havido uma pressão muito forte no sentido da regularização e indicações de algumas empresas no sentido da dificuldade de fornecimento. Se a indústria não recebe os pagamentos que lhe são devidos, algumas empresas que não são multinacionais, mas são nacionais e que adquirem produtos no estrangeiro, não têm capacidade financeira para manter esta situação”, disse. Mas frisou que, até à data, não tem conhecimento de qualquer situação deste tipo.
Na Grécia, os medicamentos que não estão a ser distribuídos nos hospitais podem ser adquiridos nas farmácias, sublinhou o presidente da Roche ao Wall Street Journal. Os doentes têm de ir buscar o medicamento à farmácia e levá-lo para o hospital, onde é administrado.
Em Portugal, nota Jorge Espítrito Santo, os medicamentos usados no tratamento do cancro (os citostáticos) são dispensados apenas nos hospitais, gratuitamente, à excepção dos fármacos para hormonoterapia usados nos cancros da mama e da próstata, que são “muito caros”.
A dinamarquesa Novonordisk também já tinha, no ano passado, deixado de fornecer algumas marcas de insulina na Grécia, substituindo-a por insulina genérica mais barata, quando o país anunciou um corte no preço destes medicamentos. O Governo grego acabou por retroceder e impor um corte menos significativo, levando a farmacêutica a retomar o fornecimento.
Fonte: Público, 17 de Setembro de 2011