Plano de actividades considera “excessivo” concentrar financiamento do sistema nos beneficiários e admite que, no futuro, as entidades públicas voltem a contribuir. Director-geral da ADSE diz que isso só acontecerá se houver défices.
Depois de o Governo anterior ter acabado com a contribuição do Estado para a ADSE, o plano de actividades da direcção-geral que gere o sistema complementar de saúde da função pública abre a porta à reintrodução, embora em moldes diferentes, do financiamento por parte das entidades empregadoras.
No plano, homologado pelo Ministério da Saúde e disponibilizado na segunda-feira, o director-geral da ADSE, Carlos Liberato Baptista, considera “excessivo” ter-se concentrado apenas nos beneficiários (que descontam 3,5%) a obrigação de financiamento do sistema, “já que a ADSE é um benefício complementar disponibilizado pelo empregador público e faz parte do pacote remuneratório dos servidores do Estado”.
A decisão, lembra, foi tomada num “período de grandes dificuldades económicas e financeiras”. No futuro, e à medida que as contas públicas estabilizarem, poderá ser criada novamente uma contribuição dos empregadores para o sistema. “É nossa convicção que com o progressivo ultrapassar desse período de maiores dificuldades, poderá voltar a ser equacionada a introdução de um financiamento público, ainda que em moldes distintos e com menor amplitude do verificado no passado, que independentemente do maior ou menor valor, reforça significativamente a confiança no sistema por parte dos diversos stakeholders”, refere-se no plano publicado no site da direcção-geral.
Confrontado pelo PÚBLICO com esta proposta, Liberato Baptista diz que as entidades empregadoras públicas só serão chamadas a contribuir “se e quando for necessário”, caso o sistema se torne insustentável. “O Estado não se pode dissociar de eventuais dificuldades financeiras”, acrescentou, lembrando que na versão preliminar do relatório da comissão da reforma da ADSE “essa hipótese é ponderada numa situação em que a ADSE venha a ter receitas inferiores às despesas”.
A gestão da ADSE foi alvo de fortes críticas por parte do Tribunal de Contas num relatório que avalia o seguimento dado pelo anterior e pelo actual Governo às recomendações deixadas nas auditorias feitas entre 2011 e 2015. O financiamento do sistema foi um dos alvos, com os juízes a considerarem que “a ausência de explicação sobre o racional do eventual retorno do financiamento da ADSE” é um dos factores que pode contribuir para um “eventual desmantelamento faseado da ADSE”.
Empregadores públicos pagam juntas médicas
Ao longo de todo o relatório é notória a preocupação com a “auto-sustentabilidade” financeira da ADSE. Para responder no imediato a alguns dos problemas, propõe-se a criação, já este ano, de “uma nova contribuição” paga pelos organismos públicos, destinada unicamente a financiar os encargos com as juntas médicas e com a verificação da doença no domicílio.
A direcção-geral prevê encaixar 5,3 milhões de euros com a medida, um valor, adiantou ao PÚBLICO Carlos Liberato Baptista, “calculado tendo por base o número de juntas médicas e verificações domiciliárias de doença, vezes o preçário proposto à tutela”.
Numa das auditorias que fez às contas da ADSE, o Tribunal de Contas (TdC) já tinha alertado que a direcção-geral estava a prestar serviços ao Estado na área da verificação da doença, pagos pelo desconto dos beneficiários, e que deviam ser um encargo das entidades que os solicitam.
Também os acidentes em serviço passarão a ser “assinalados”, assim como as entidades emprgadoras onde eles ocorrem. Estes encargos, defende a ADSE, não devem ser financiados pelos descontos mas ser imputadas a um centro de custos distinto “que deve ser financiado pelas respectivas entidades empregadoras”.
Além da nova contribuição a criar em 2016, a ADSE prevê que os descontos dos beneficiários totalizem 596,63 milhões de euros, mais 8% do que em 2015. Este aumento resulta do facto de, no corrente ano, estar a ser eliminado o corte salarial aplicado aos funcionários públicos que recebem mais de 1500 euros (ilíquidos) por mês o que leva a que a taxa de desconto para a ADSE de 3,5% incida sobre uma remuneração mais elevada.
“No actual contexto remuneratório dos trabalhadores e aposentados e com a actual taxa de desconto de 3,5%, a que virão a acrescer as restantes receitas, deve a ADSE vir a registar, em 2016, um saldo positivo”, antecipa a direcção-geral no documento. Havendo um excedente, a direcção-geral defende que é “importante criar mecanismos flexíveis” que permitam usar esses saldos, sugerindo a alteração do regime de autonomia financeira do sistema.
Mais beneficiários no segundo semestre
Outra das medidas destinadas a melhorar a sustentabilidade do sistema (que actualmente abrange mais de 1,224 milhões de pessoas, entre funcionários públicos, aposentados e familiares) é o alargamento do universo de beneficiários.
A medida está prevista no Orçamento do Estado (OE) para 2016 e poderá concretizar-se ainda na segunda metade do ano. Esta é a convicção de Carlos Liberato Baptista, mas a decisão final caberá ao Governo e deverá ser tomada depois de a comissão da reforma da ADSE apresentar a sua proposta final sobre o modelo institucional e financeiro da ADSE.
No plano de actividades diz-se que está “em avaliação” o acréscimo significativo dos beneficiários da ADSE, respondendo a uma das recomendações deixadas pelo Tribunal de Contas nas auditorias que fez ao sistema. Em causa está a possibilidade de também os trabalhadores do sector empresarial do estado e de outras entidades públicas poderem beneficiar do sistema, assim como “os cônjuges dos beneficiários titulares, com idade inferior a 65 anos, e filhos até aos 30 anos [actualmente é até aos 26 anos]”.
Se isto se concretizar, refere-se no documento “constituirá uma relevante vantagem económica e financeira para a ADSE, que permitirá melhores custos médios e a manutenção de um financiamento significativo e adequado”.
Apesar de considerar excessivo que a ADSE seja financiada exclusivamente pelos seus beneficiários (embora não totalmente, uma vez que as autarquias e regiões autónomas ainda descontam, algo que deverá terminar este ano), a responsável pela gestão do sistema lembra que isso não significa que o desconto exigido aos beneficiários titulares seja desadequado.
A análise “de que a taxa de desconto de 3,5% era excessiva e tinha gerado elevados saldos não corresponde à verdade”, refere o plano de actividades. “Em primeiro lugar porque nesses anos (2014 e 2015) existiram ainda significativas receitas da ADSE com origem no Orçamento do Estado, em segundo lugar porque a reforma da ADSE ainda não estava concluída (e ainda não está…)”. Faltando, por exemplo, “a harmonização das responsabilidades financeiras das diversas entidades empregadoras públicas”.
O documento apresenta comparações com outros sistemas nacionais e internacionais. No SAMS (sistema de saúde dos bancários) o desconto exigido é de 8,5% (7% a cargo do empregador e 1,5% dos beneficiários) e a MUFACE – a congénere espanhola da ADSE – é financiada em 5,79% (1,69% a cargo dos funcionários e 4,1% das entidades empregadoras), embora financie outro tipo de apoios sociais.
A ADSE foi criada há mais de 50 anos e não presta serviços de saúde. Gere os descontos dos beneficiários e comparticipa as despesas médicas, permitindo que eles recorram aos médicos com convenção com a ADSE ou ao chamado regime livre, que permite ao beneficiário escolher um médico fora da rede convencionada e ser reembolsado mais tarde. Os beneficiários podem também recorrer aos hospitais públicos, tal como qualquer cidadão, mas estes encargos são suportados pelo orçamento do SNS.
Fonte: Público, 22 de junho de 2016