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Mais de 15% dos médicos estão em burnout

Os médicos mais jovens são os que apresentam maiores níveis de exaustão emocional e perda de realização profissional. Carga horária muito elevada é uma das justificações

Mais de 15% dos médicos avaliados num estudo exploratório que serviu de base a uma tese de mestrado da Faculdade de Medicina de Lisboa estavam em burnout, síndrome que se caracteriza por elevados níveis de exaustão emocional, despersonalização ou perda de realização pessoal. Um estado de desgaste extremo que afecta de forma significativa a relação médico-doente (empatia) e a qualidade dos cuidados de saúde prestados.

Ainda que a amostra não seja representativa (responderam 104 médicos de hospitais localizados na Grande Lisboa), o trabalho realizado por Sara Ferreira, com a orientação de Pedro Afonso (Faculdade de Medicina) e o apoio de Rosário Ramos (Universidade Aberta), permite perceber alguns dos contornos de um fenómeno que ainda é pouco investigado e valorizado em Portugal.  Primeiro: são os médicos mais novos (os que estão a fazer o internato) que exibem níveis mais elevados de burnout  quando comparados com os seus colegas já especialistas, o que se justificará sobretudo com o excesso de trabalho (carga horária), nomeadamente no serviço de urgência . Segundo, e muito curioso: os médicos que não trabalham em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS) apresentam níveis inferiores de burnout e os que têm filhos também.

Explicações para estes resultados? As condições de trabalho, como a maior carga horária semanal, a exigência do trabalho no serviço de urgência e a exclusividade no SNS são algumas, elenca Sara Ferreira na tese intitulada “Burnout e a empatia médico-doente”.

As cargas horárias dos médicos que colaboraram neste trabalho são, de facto, muito elevadas. No total, apenas um quinto trabalha até 40 horas semanais, a maior parte oscila entre as 40 e as 60 e 13,5% permanece mais de 60 horas por semana no local de trabalho. São dados que preocupam Pedro Afonso, que designa este fenómeno como uma “nova escravatura” (ver entrevista).

A percentagem de médicos em burnout encontrada no estudo (15,4%) poderia ainda ser maior se os critérios usados fossem mais latos, como sucede noutros trabalhos, admite a autora. Aliás, quando se olha para as pontuações obtidas em cada uma das  três dimensões deste estado de desgaste extremo, as percentagens são bem mais elevadas: 25% dos médicos apresentava pontuação alta na exaustão emocional, a 26% acontecia o mesmo na despersonalização e 23% exibiam também níveis elevados na perda de realização pessoal.

Em todas as dimensões, os médicos internos destacam-se pela negativa. Porquê? Em início de carreira, os médicos são “frequentemente expostos a um trabalho stressante e a factores de risco como a falta de participação nas decisões laborais, o trabalho por turnos, a insuficiente compensação económica e a insegurança no emprego”, sintetiza Sara Ferreira.

A carga horária é determinante. Cerca de 90% dos internos inquiridos tem uma carga horária semanal superior a 40 horas. “ Sabe-se que a probabilidade de estar em burnout aumenta 12-15% por cada 5 horas a mais, além das 40 horas semanais estabelecidas”, nota. Outra hipótese de explicação prende-se com a maior frequência com que trabalham no serviço de urgência, onde as condições de trabalho são mais stressantes, porque os médicos têm que lidar com uma  grande afluência de doentes, estão expostos a altos níveis de ruído ambiental, trabalham um  maior número seguido de horas e têm de responder “a constantes solicitações físicas e psicológicas”.

Filhos protegem
Ao contrário do que muitos poderiam esperar, ter filhos parece funcionar como factor protector para o burnout. Uma condição que já tinha sido evidenciada em estudos internacionais e que se poderá justificar pelo facto de os profissionais com família serem “habitualmente mais velhos”, terem “maior estabilidade na vida” e maior maturidade psicológica,  adaptando-se, em consequência, “melhor ao ambiente profissional”. Acresce que a relação com o cônjuge e os filhos acaba por proporcionar aos profissionais “experiência e competências para lidar com problemas interpessoais e com conflitos emocionais”.

Uma experiência que se pode revelar preciosa porque o grau de empatia com os doentes (capacidade de se colocar no seu lugar, de entender o seu sofrimento) é determinante, porque aumenta a facilidade com que os pacientes fornecem dados com relevância clínica e aderem aos tratamentos. Sara Ferreira fez questão de avaliar esta dimensão e concluiu também que é  “significativamente inferior nos médicos internos”, que, de novo, obêm pontuações maiores na despersonalização e na perda de realização profissional. O efeito da despersonalização na empatia, explica,  pode decorrer da tentativa de os médicos em burnout se protegerem do desgaste emocional, optando por distanciar-se do doente.

Fonte: Público, 21 de junho de 2015

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