O conflito jurídico, que travou o arranque das obras do futuro hospital pediátrico do Porto, previsto para ala poente do edifício do Hospital de São João, no espaço onde actualmente funciona a Unidade de Cuidados Intensivos de Neonatologia, está desbloqueado e a nova unidade de saúde começa a ser construída no início da próxima semana.
Ao fim de dois meses de alguma tensão entre a administração do Centro Hospitalar de São João (que inclui os hospitais de São João e de Valongo), e o presidente da Associação Humanitária Um Lugar para o Joãozinho (AHLJ), o economista Pedro Arroja, o conflito parece ter chegado ao fim. Ao que o PÚBLICO apurou, o presidente do conselho de administração (CA) do Centro Hospitalar de São João, António Ferreira, meteu na gaveta o acordo que ele próprio pedira ao escritório de advogados Cuatrecasas e terá mostrado abertura para acolher um novo documento, que terá sido feito pelo próprio presidente da AHLJ.
António Ferreira tinha dúvidas quanto à legalidade de alguns pontos que iriam constar do acordo a assinar com a associação, mecenas da nova unidade de saúde, e decidiu consultar a empresa de advogados Cuatrecasas, à qual o eurodeputado Paulo Rangel está ligado. O documento foi severamente criticado por Arroja, que disparou sobre Paulo Rangel, e dividiu o CA do hospital. Um dos administradores opôs-se terminantemente a que a obra começasse tendo em conta a posição da empresa de advogados que levantou um conjunto de preocupações. E na sequência disso a obra parou.
O economista fala de um “documento hostil” e insurge-se contra o facto de o texto “ter sido apresentado como um acordo quando no fundo é um contrato porque era isso mesmo que lá estava escrito”. “Para regular uma relação mecenática estabelece-se uma relação de hostilidade entre as partes onde no fim o Hospital de São João, que é o beneficiário da obra, até podia pôr a associação em tribunal”, denuncia o economista, que não entende a razão pela qual “foi feito um documento em que foi apenas ouvida uma das partes, ignorando a outra”.
Por outro lado, o presidente da AHLJ, que espera oferecer a obra ao São João dentro de dois anos, aproximadamente, acusa Rangel de estar “mais preocupado com legalismos do que em retirar as crianças que actualmente estão instaladas num barracão”. Mas foi mais longe, afirmando que “o argumento [jurídico] para travar a obra é uma palhaçada”. Depois de garantir que vai mesmo fazer o hospital pediátrico com dinheiro dos mecenas e com um empréstimo que vai fazer junto da banca, Pedro Arroja diz: “Houve um momento em que alguém inadvertidamente, ou não, se quis meter à frente deste projecto e eu tinha de o retirar do meu caminho. E quem era? É alguém do escritório do doutor Paulo Rangel”.
Uma outra crítica tem a ver com o facto de o texto, que Arroja recusou assinar, dizer que a associação não podia doar o hospital pediátrico ao CHSJ, quando o economista tem na sua posse um despacho do secretário de Estado da Saúde, Manuel Teixeira, que é taxativo. “Nada parece obstar a que o Conselho de Administração do São João aceite a doação de tal construção, uma vez que não resultam quaisquer responsabilidades financeiras seja para CHSJ seja para o erário público”, diz o despacho n. 4 de 2015.
Numa nota enviada ontem ao PÚBLICO, António Ferreira referiu que “o acordo está na fase de debate jurídico, que se prevê que termine esta semana, visando garantir o interesse e o respeito pelas leis pelas quais se rege (…) e, simultaneamente, assegurar a tranquilidade e a operacionalidade da acção benemérita da ‘Associação Humanitária Um Lugar para o Joãozinho – IPSS, à qual o Centro Hospitalar de São João está profundamente grato”. Desta forma, o administrador tenta ir ao encontro da gratidão que esperava receber por parte do CHSJ, já que essa referência não constava no documento elaborado pela Cuatrecasas.
O administrador António Ferreira faz questão de sublinhar que “o desejo de ambas as instituições é de colaboração com vista à conclusão desta acção benemérita, garantindo que em nenhum caso, uma ou outra, se vejam constrangidas por eventuais limitações legais”. Segundo o presidente do Centro Hospitalar de São João, “um projecto desta natureza tem que nascer e crescer com bases sólidas, sustentadas e com íntima colaboração entre doadores e a instituição pública que recebe a doação. O CHSJ deseja ardentemente que a associação, cujos membros se dedicam abnegadamente a uma acção do mais relevante interesse público, possam iniciar o objecto da sua actividade no mais curto prazo”.
Quanto às obras, António Ferreira revela que “vão começar no exacto momento em que o CHSJ conseguir deslocalizar a Unidade de Cuidados Intensivos de Neonatologia”. Orçado em cerca de 25 milhões de euros, a futura unidade pediátrica do São João já tem projecto feito, que resulta de um concurso lançado em 2010, mas que ainda não foi submetido à Câmara Municipal do Porto.
Fonte: Público, 18 de junho de 2015