Doente diz que Hospital de Leiria se recusou a entregar requisição para exame enquanto não saldasse dívida de 67 euros relativa a 2002, 2008 e 2011. Hospital defende que a prescrição não extingue a dívida e que esta pode ser paga “a prestações”.
Ana Pestana, uma tradutora de 43 anos, não queria acreditar quando uma funcionária administrativa no balcão de atendimento do Hospital de Leiria lhe explicou que não podia entregar-lhe a requisição para um exame que o ortopedista da unidade a mandara fazer, porque ela tinha uma dívida de taxas moderadoras por saldar. Uma dívida que ascendia a 67,63 euros e se referia a taxas por pagar dos anos e 2002, 2008 e 2011. As dívidas prescrevem ao fim de três, alegou Ana.
Os responsáveis do hospital admitem que as dívidas prescreveram, mas defendem que “o prazo de prescrição não extingue a dívida, que permanece devida”. Sugerem que Ana a pague de forma faseada, “a prestações”, como fazem outros utentes.
Isenta de taxas moderadoras desde há três anos, devido a insuficiência económica (é profissional liberal e apenas tem trabalhos esporádicos), Ana insistiu que necessitava de fazer o exame com rapidez, porque tinha uma consulta marcada para o dia 25 deste mês e precisava de levar os resultados da electromiografia. Sem mobilidade na mão direita e a perder a mobilidade na mão esquerda, precisa de fazer este exame aos nervos periféricos, porque sofre de artroses “nos dois punhos”, e tudo indica que terá de ser operada.
A funcionária administrativa repetia, porém, que “ou pagava ou não podia dar a autorização para [fazer] o exame”, conta. Inconformada, pediu para falar com alguém no hospital que encontrasse uma solução. Mandaram-na para o “gabinete do cidadão”, depois encaminharam-na para o “gabinete do utente”, onde foi atendida por uma assistente social que lhe explicou que, apesar de as taxas terem prescrito, “moralmente, devia pagá-las”.
Ainda falou para a tesouraria e para o conselho de administração, segundo diz. Mas a resposta era sempre a mesma; devia pagar as taxas, se queria receber a requisição para poder fazer o exame. Ana assevera que pediu várias vezes que colocassem tal resposta por escrito, sempre em vão, e que reconheceram que as taxas não podiam ser cobradas, “uma vez que juridicamente era impossível, mas que ou pagava ou não fazia o exame”.
Indignada, a tradutora decidiu escrever para vários grupos parlamentares, para o primeiro-ministro e para o ministro da Saúde, a denunciar a situação. No dia em que o PÚBLICO tentou perceber junto do hospital o que se estava a passar, Ana foi informada de que, afinal, iam entregar-lhe a requisição para o exame.
Segundo a administração do hospital, as taxas moderadoras anteriores a 24 de Janeiro de 2012, data em que Ana passou à situação de isenção, “são devidas por nunca terem sido pagas, muito embora o CHL [Centro Hospitalar de Leiria] tivesse solicitado o pagamento (legal) devido”. “O prazo de prescrição não extingue a dívida, que permanece devida”, alegam os responsáveis da unidade, em resposta escrita, lamentando que Ana se recuse a pagar, “podendo fazê-lo, como fazem muitos utentes, de forma faseada [prestações]”. Sublinha, mesmo assim, que esta situação “não invalida que a utente realize os exames”, e que o problema está desbloqueado, mesmo que ela persista em não pagar a dívida.
“Taxas moderadoras em atraso não são motivo para não prestar cuidados médicos ou não realizar exames, ainda por cima tratando-se de uma pessoa isenta. A actuação do hospital é absolutamente ilegal, para além de desumana”, considera o coordenador do BE, João Semedo, que denunciou publicamente a situação. Este caso, sustenta, “é o resultado da cultura de desrespeito pelas pessoas que o ministro da Saúde anda a semear há três anos no SNS”.
A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), para quem o Ministério da Saúde remeteu esclarecimentos, sublinhou ao PÚBLICO que “o prazo de prescrição aplicável à cobrança de taxas moderadoras pelos Serviços e Estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de Saúde é de três anos” e que “o regime de cobrança” alterado recentemente “apenas se aplica a taxas moderadores em divida a partir de 1.1.2014”. De qualquer forma, a ACSS garantiu que “o hospital não se pode recusar a emitir requisições”.
Fonte: Público, 12 de Agosto de 2014