Médicos e farmacêuticos acusam Paulo Macedo de “prepotência” e “inoperatividade” e vão retaliar.
A Saúde está ‘debaixo de fogo’, com os bastonários dos médicos e dos farmacêuticos a ‘declararem guerra’ ao ministro. As recentes exigências de independência e de sigilo feitas aos profissionais colocaram Paulo Macedo em conflito com responsáveis do setor. Há ameaças de greve, de boicote com o uso de receitas em papel ou até de suspensão das colaborações com o Governo.
A ira da Ordem dos Médicos (OM) e de vários sindicatos foi despertada pela proposta de um código de ética comum a todo o Serviço Nacional de Saúde conhecida na semana passada e que impõe “sigilo absoluto” a médicos, farmacêuticos ou rececionistas. O documento foi considerado uma ‘lei da rolha’ para silenciar as denúncias e a retaliação não tardou.
“Não vamos aceitar a censura como acontecia antes do 25 de abril”, avisa o bastonário dos Médicos, José Manuel Silva. Na sua opinião, trata-se de “mais uma prepotência do ministro”. E acusa: “Este pretenso código de ética visa defender a imagem do Governo e das instituições e não as boas práticas médicas e os interesses dos doentes”.
A estratégia de contra-ataque será discutida no final da próxima semana, em reuniões com os dois principais sindicatos médicos e com o próprio Conselho Nacional Executivo. Sabe-se já que a Federação Nacional dos Médicos propõe o recurso à greve e que a OM admite boicotar o sistema, voltando a prescrever apenas em papel ou a cessar as colaborações com o Ministério da Saúde.
Ministério admite rever código de ética
O gabinete de Paulo Macedo reafirmou ao Expresso que o projeto de despacho “é uma base de trabalho que pode ser alterada” e que ainda “não se sabe se haverá um código único ou se cada instituição terá o seu”, mas as explicações não serenaram os críticos. Pelo contrário, a polémica veio reforçar uma discussão menos recente sobre a independência, mas já com protestos no terreno.
Em fevereiro, o ministro apertou as regras sobre as incompatibilidades dos elementos que dão apoio ao Ministério nas áreas clínicas e farmacêuticas – por exemplo, impedindo que tivessem estudos pagos por farmacêuticas – e dezenas de peritos demitiram-se. Abriram-se ‘fissuras’ em comissões para avaliar medicamentos, dispositivos médicos e em sociedades científicas.
Na Ordem dos Farmacêuticos (OF), 70% dos representantes abandonaram a consultadoria, gratuita, ao Estado. A denúncia é feita pelo bastonário, Maurício Barbosa, que esperou e ‘desesperou’ pelo recuo prometido pelo ministro. “Há dois meses demonstrou a maior das vontades em alterar o decreto-lei e ficou acordado que seriam feitas circulares, mas o problema persiste.” E o problema é que várias das comissões que avaliam medicamentos “estão paralisadas”. Isto é, “não há controlo na prescrição e dispensa”, avisa o bastonário. Maurício Barbosa é perentório: “Não é aceitável e estou muito preocupado com a inoperatividade do ministro”.
Os médicos também não escaparam às novas ‘malhas da rede’ da incompatibilidade. “Do grupo de trabalho da hepatite C – que avalia os medicamentos novos e todos os que devem fazer parte do formulário nacional (os únicos comparticipados) -, saímos quase todos”, revela o especialista Tato Marinho. Até o diretor do Programa para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares da Direção-Geral da Saúde teve de sair, no caso da presidência da assembleia-geral da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC). “A formulação foi mal trabalhada, pois praticamente limita a participação aos aposentados”, ironiza.
Sociedades científicas unidas contra o Governo
Tendo perdido 25% dos seus colaboradores mais diretos, o presidente da SPC, José Silva Cardoso, escreveu ao ministro. “Enviámos uma longa carta a explicar as implicações e nem sequer recebemos um aviso de receção.” Por isso, vai reagir: “As mais de 65 sociedades científicas vão constituir um conselho superior para contrariar este decreto-lei, porque está em causa a formação continuada dos médicos, a educação da população para a saúde e o estudo da realidade nacional”.
Os bastonários concordam com a existência de uma regulamentação sobre as incompatibilidades, mas não a que foi imposta pelo gabinete ministerial. “A atual situação, paradoxal, pode ser solucionada com a apresentação de declarações de interesse, que devem ser públicas, e analisadas caso a caso”, propõe o bastonário da OF, Maurício Barbosa.
O gabinete do ministro remeteu as explicações para o Infarmed, que garante “que as comissões e grupos de trabalho continuaram a funcionar”. Perante a insistência sobre o número de elementos que saíram, a resposta mudou: “Não é possível dar essa informação, uma vez que a situação ainda se encontra em resolução”.
Fonte: Expresso, 23 de Maio de 2014