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Factura real chega a hospitais. “Mais vale pagar 20 que 60”

Hospital de S. José começou ontem a passar facturas com os custos de uma ida à urgência para o Estado. Projecto é apresentado hoje

José Luciano nunca pagou uma taxa moderadora. O madeirense de 38 anos, do Machico, está há oito meses a trabalhar no Continente e, na Madeira, as taxas só entraram em vigor este Verão. Foi, por isso, tão grande a novidade de ter de desembolsar 20 euros por uma urgência em S. José, em Lisboa, como ficar a saber – depois de um acidente nas obras ontem de manhã – que, na realidade, a consulta custa 60 ao Estado. “Só a taxa é cara. Dava-me para pequenos-almoços e cafés”, diz, reconhecendo contudo que “mais vale pagar 20 que 60.”

No primeiro dia de um projecto-piloto do Ministério da Saúde que vai usar a admissão de doentes da urgência de S. José para testar a melhor forma de apresentar aos utentes os custos reais dos cuidados no SNS, afinava-se ainda a abordagem. “Não, não é para pagar”, o “impresso” serve para informar sobre os custos que o hospital tem com os utentes, “é o preço que nós todos pagamos, o SNS”, “só paga uma percentagem dos custos”, ouvia–se aqui e ali ao início da manhã, sem referência a “factura virtual” – como o governo baptiza o projecto desde o programa eleitoral. O impresso é a factura normal, mas antes do valor da taxa está indicado o custo real da urgência. No caso de S. José (os valores variam consoante a urgência ser mais ou menos diferenciada), a taxa é de 20 euros, e o custo total 60.

Yubaraj, nepalês de 27 anos, não percebe o papel que traz nas mãos. Um colega sentiu-se mal e trouxe-o à urgência. Demos uma ajuda na explicação: segundo o impresso, é preciso pagar duas entradas e um raio-X, portanto, pelo menos uma conta antiga. “Vou ter de pagar tudo?”, pergunta depois de olhar bem para o papel. Não, só o que já pagaram, a taxa. É caro? “É tudo caro, com o salário mínimo.”

Os utentes pagam e recebem a factura virtual ainda antes da triagem. Por regra, o doente paga primeiro a taxa de 20 euros, a menos que esteja isento. Se, mais tarde, precisar de exames ou análises, deve voltar ao guiché. Se não voltar, a conta segue para casa. Se não pagar, é multado.

Maria, 51 anos, só tem um adjectivo: “Ridículo.” Veio com o pai de 77 anos, de ambulância. Ajudamos mais uma vez a decifrar o papel. “Já percebi. Mas devia ser de borla e ter um melhor serviço. Afinal para que é que o meu pai andou a descontar toda a vida?” É a gota de água para Maria, a coisa só lá vai com uma revolução. “Em Abril, a médica disse-me que não podia receitar mais palhetas para a minha mãe, que tem de medir várias vezes por dia a diabetes. Custam mais de 600 euros por mês ao Estado em medicamentos”, dispara. A prescrição é tão à risca que, às vezes, as tiras para medir os níveis de açúcar não chegam, a não ser que use a mesma várias vezes. “Porque custam 600 euros deixo-a morrer?”

Esta tarde há uma apresentação oficial do projecto, que a tutela espera replicar noutras unidades. Ontem, em pleno arranque do projecto, o mais comum era não haver grande reacção. Já de saída de S. José, Yubaraj faz questão de mostrar um papel diferente, este a seu pedido: a declaração de que acompanhou o colega ao médico, exigência do patrão.

Fonte: iInformação, 8 de Agosto de 2012

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