“Numa palestra que fiz há tempos para uma plateia de candidatos a gestores que não eram profissionais de saúde comentei que a grande “chatice” para os administradores hospitalares é que para tratar os doentes são mesmo precisos médicos e enfermeiros”
Há tempos atrás escrevi:
“ O Governo e o Ministro da Saúde terão que saber explicar muito bem os cortes profundos e as mudanças radicais que irão operar no sector da Saúde. E, mais que tudo, terão que definir um rumo, um caminho, uma ideia geral, um projecto para a SAÚDE EM PORTUGAL. Enquanto se vão apagando fogos onde eles existem, vai ser preciso ter uma equipa a trabalhar num programa sério, honesto e realista que diga, primeiro que tudo, que tipo de saúde queremos, que tipo de apoios terão as populações e que financiamento será necessário para o caminho que se irá projetando. Que lugar para os profissionais de saúde, especialmente médicos, no seu local de trabalho e nos órgãos decisores das Instituições? Como cativar aqueles que trabalham para o SNS para que eles sintam que podem vestir a camisola do Serviço Nacional de Saúde num momento extremamente difícil para todos?…
E, por último, será que poderemos caminhar de uma vez por todas e sem ambiguidades para uma situação de LIVRE ESCOLHA em que o paciente poderá vir a escolher onde quer ser tratado?”
Infelizmente pouco dos pontos acima referidos transpareceram para a opinião pública e assim chegamos a um ponto em que, no momento em que escrevo este artigo, estamos a 1 dia de uma greve porque nunca se estabeleceu uma relação de empatia entre o Ministério da Saúde e os seus profissionais mais especializados. Não são os gestores que contactam, que assumem responsabilidades directas e que tratam os doentes. Não são eles que sentem a dor do paciente e que vivem e convivem com os terríveis momentos da doença das pessoas. São os médicos, pela sua formação longa, um percurso de vida que obriga a uma dedicação especial e um estudo continuado e a responsabilidade maior de definir sobre o nosso bem mais precioso, que são a mais-valia ESSENCIAL num Sistema de Saúde que se quer de qualidade e a servir a população portuguesa.
Numa palestra que fiz há tempos para uma plateia de candidatos a gestores que não eram profissionais de saúde comentei que a grande “chatice” para os administradores hospitalares é que para tratar os doentes são mesmo precisos médicos e enfermeiros.
Verificamos que neste campo a aposta recente na adjudicação de horas a empresas que contratam profissionais de saúde sem qualquer critério de qualidade foi mais um factor negativo. Como queremos então que os médicos “vistam a camisola” do SNS se nem camisola lhes dão? Como querem o respeito e a colaboração dos médicos se passam a mensagem de que os tratam como simples mercadoria de troca?
Penso que a equipa que apoia o Ministro da Saúde poderá ter descurado um pouco a relação de empatia que deveria ter criado com aqueles que eventualmente irão tratar da doença deles próprios e de todos os que os rodeiam.
Está então na hora de se estabelecer um DIÁLOGO SÉRIO E HONESTO que deverá ultrapassar em muito questões salariais que, sendo importantes, acabarão por ser menores quando se conversar sobre qualidade e responsabilização no sector da saúde.
É essencial preservar a boa imagem do actual Ministro da Saúde que, sendo um gestor de qualidade excepcional e com um verdadeiro espírito de missão num momento extremamente difícil para o país, não pode ficar fragilizado por um corte de relações com aqueles que são os verdadeiros motores do Sistema Nacional de Saúde.
Os médicos e outros profissionais de saúde estão desmotivados, cansados e preocupados com o Serviço Nacional de Saúde e é ESSENCIAL que o Ministro da Saúde – e eventualmente neste momento em que se vislumbra uma greve que poderá não servir ninguém – o próprio 1º Ministro demonstrem inequivocamente que contam com eles para que a necessária Reforma Estrutural na Área da Saúde possa ser um sucesso.
Penso que temos que ter um projecto, um caminho, uma luz na saúde e o senhor Ministro da Saúde terá que anunciar qual o seu projecto global, qual a filosofia subjacente e depois não ter receio de encetar um diálogo aberto com todas as Associações que trabalham no sector da saúde com destaque para as que representam os profissionais de saúde porque TODOS NÓS COMPREENDEMOS E ACEITAMOS QUE OS TEMPOS SÃO EXTREMAMENTE DIFÍCEIS PARA TODOS.
Miguel Sousa Neves,
Presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde