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Parcerias com privados na saúde violaram “boa gestão pública”

Auditoria conjunta das inspecções de Finanças e da Saúde revela que o Estado não salvaguardou os seus interesses nos contratos dos novos hospitais. Programa foi entretanto suspenso por imposição datroika.

Erros de avaliação, ineficiência na execução do programa, inexistência nos contratos de cláusulas que salvaguardem devidamente o interesse público, nomeadamente em matéria de incompatibilidades, e não cumprimento das regras de contratação pública. Estas são, em síntese, as principais conclusões de uma auditoria conjunta da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) e da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde ao programa das Parcerias Público-Privadas (PPP) na Saúde, realizada em 2009 a pedido da então ministra Ana Jorge e já depois de ter sido conhecida uma outra auditoria, esta do Tribunal de Contas, muito crítica em relação à forma como o programa estava a ser executado.

O relatório foi concluído em Julho de 2010. Após vários meses de pedidos, foi agora disponibilizado ao PÚBLICO, mas apenas 11 das 175 páginas que o compõem. Entretanto, todo o programa das PPP foi congelado por imposição da troika, estando apenas em aberto o processo relativo ao futuro Hospital Oriental de Lisboa.

No relatório de Auditoria aos processos concursais das PPP da Saúde: Matérias Comuns e Consolidação dos Aspectos Específicos, o inspector de Finanças Heitor dos Reis Agrochão constata desde logo a “enorme desconformidade existente entre as ambições (metas de realizações físicas e temporais) do programa de hospitais em PPP e as condições existentes e as criadas posteriormente (humanas, organizacionais e de competências) para o executar com o mínimo respeito pelos princípios da boa gestão pública”. Em Dezembro de 2009, escreve o inspector, “passados oito anos” do lançamento do programa, das várias PPP programadas “apenas três estavam negociadas, três tinham as negociações em curso e duas nem os concursos tinham sido lançados”.

O programa inicial das PPP, desenhado pela Estrutura de Missão Parcerias.Saúde (EMPS) – criada em Novembro de 2001 pelo ex-ministro Correia de Campos e entretanto extinta -, até previa que os dez novos hospitais projectados estariam todos a funcionar em 2010. “São óbvias as nefastas consequências financeiras e sociais de tão grande erro de avaliação e de tanta ineficiência na execução do programa em apreço”, escreve o inspector da IGF.

Uma segunda “constatação” de Heitor dos Reis Agrochão prende-se com “a extrema e preocupante dependência” das entidades públicas envolvidas, designadamente a EMPS, face aos consultores externos em todas as fases do processo. Além dos “riscos e encargos que uma tal opção acarreta”, o inspector da IGF destaca no relatório “as consequências gravosas que advêm para o exercício das futuras funções de gestão e controlo das PPP pelo concedente, uma vez que não existiu a formal e necessária internalização de competências que um envolvimento adequado teria proporcionado”.

“Este facto é ainda agravado pela inexistência nos contratos de cláusulas que salvaguardem devidamente o interesse público, nomeadamente em matéria de incompatibilidades, tanto durante a vigência dos contratos como após a conclusão da prestação de serviços”, defende Heitor Agrochão, revelando que “esta situação teve já como consequência o pagamento de uma elevada indemnização a um consultor”. O PÚBLICO tentou obter mais esclarecimentos sobre esta indemnização (valor e nome do consultor), mas nem o gabinete do actual ministro da Saúde, Paulo Macedo, nem o do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, quiseram responder.

Depois de considerar que não é “prudente” continuar a fundamentar decisões de hoje com pressupostos que na altura em que a auditoria foi feita tinham mais de oito anos, o relator da auditoria afirma que “se justifica plenamente, pelo menos, a reavaliação da opção PPP para a construção dos quatro hospitais da 2.ª fase [Lisboa Oriental, Central do Algarve, Vila Nova de Gaia/Espinho e Póvoa do Varzim/Vila do Conde], uma vez que a mesma se revela incapaz de mostrar benefícios face à construção segundo a modalidade tradicional, como o atesta o facto de as propostas dos concorrentes serem sistematicamente superiores ao Custo Público Comparável”. Desde que o programa foi lançado, os sucessivos governos têm invocado precisamente o facto de as PPP saírem mais baratas – e mais rápidas – do que se os hospitais fossem construídos através do modelo tradicional. O PÚBLICO também questionou os ministérios da Saúde e das Finanças sobre esta conclusão da auditoria, mas mais uma vez não obteve resposta.

O programa das PPP na Saúde sofreu vários revezes e alterações ao longo dos anos. Inicialmente, o programa apontava para a construção de dez hospitais e o modelo pensado abrangia não só a construção dos edifícios mas também a gestão clínica das unidades por privados. Além de ter deixado logo cair o projecto de Sintra, o Ministério da Saúde viu-se na altura obrigado a anular o primeiro concurso lançado – o do novo Hospital de Loures, ganho então pela José de Mello Saúde – por irregularidades várias.

A primeira fase deste programa, designada por 1.ª vaga, acabou por incluir apenas quatro unidades: Cascais e Braga, já em funcionamento, e Vila Franca de Xira e Loures, que foi objecto de novo concurso ganho pelo Grupo BES e começou a funcionar no passado mês de Janeiro. Em relação a Vila Franca, o Grupo Mello já assumiu a gestão do velho Hospital Reynaldo dos Santos e iniciou a construção do novo, o qual só deverá entrar em funcionamento no primeiro semestre de 2013. Para o programa entrou, entretanto, o futuro Hospital Oriental de Lisboa.

A 2.ª vaga do programa – em que o modelo abrangeu apenas a construção das unidades, deixando nas mãos do Estado a respectiva gestão clínica – acabou por ficar então com os hospitais Oriental de Lisboa, Central do Algarve, Vila Nova de Gaia/Espinho, Vila do Conde/Póvoa do Varzim, Évora e Guarda. Com o pedido de ajuda externa, contudo, o actual Governo viu-se forçado a suspender todo o programa.

Fonte: Público, 05 de Março de 2012

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