Manter a inovação sem pressionar a despesa dos sistemas de saúde será um dos principais desafios da indústria em mercados cada vez mais envelhecidos.
O aumento da esperança média de vida – que em Portugal passou de 67,1 anos em 1970 para 79,2 anos em 2009 – está a pressionar os sistemas de saúde a nível mundial, obrigando os Estados a repensar modelos de financiamento, enquanto que do lado das empresas a palavra de ordem é a inovação de áreas terapêuticas ligadas ao envelhecimento e a patologias neurodegenerativas. Estes e outros temas estarão amanhã em debate na VIII Conferência da Indústria Farmacêutica promovida pelo Diário Económico, que reúne especialistas portugueses e internacionais para discutir a “Inovação e Longevidade: Os Desafios colocados aos Sistemas de Saúde.”
Em Portugal, o desafio das multinacionais farmacêuticas será uma luta contra preços cada vez mais baixos, reduzidas comparticipações e dificuldades de entrada no mercado, dizem os especialistas contactados pelo Diário Económico. “A tendência estrutural para o crescimento dos custos em saúde, associados ao aumento da esperança média de vida, coloca os Estados perante a necessidade de repensar os modelos de financiamento dos seus sistemas de saúde”, diz fonte da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma).
Pedro Pita Barros, professor na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e especialista em Saúde, vai ao concreto e fala da pressão para baixar as despesas da saúde, em linha com o estabelecido no memorando de entendimento que estabelece o programa de ajuda financeira concedido pelo Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu a Portugal. O grande desafio da indústria farmacêutica será, por isso, “ajustar-se a condições de mercado cada vez mais duras, isto é, preços mais baixos”.
Consequência directa da pressão sobre os custos, as empresas terão cada vez mais dificuldade em conseguir a introdução de medicamentos no mercado nacional, “passando a barreira de aprovação para reembolso”, diz Pita Barros. E neste ponto, não bastará às farmacêuticas dizer que o seu produto é inovador, há que demonstrá-lo, diz Leonardo Santarelli, director-geral da MSD Portugal.
“Há muitas coisas boas na área do medicamento e essa é a referência para os medicamentos que entram no mercado. Os que vêm a seguir têm que ser ainda melhores. Sempre assim, mas com a limitação de recursos em todo o mundo, as exigências são ainda maiores”, diz Santarelli. Ou seja, as empresas terão que demonstrar que o custo acrescido é compensado pelo real benefício que os novos medicamentos trazem para a saúde, sem que o mesmo custo torne inviável a entrada dos medicamentos no mercado. “Encontrar mecanismos de acesso ao mercado compatíveis com o interesse das empresas, com o interesse orçamental e com o interesse dos cidadãos será um dos desafios para os próximos anos”, diz Pitta Barros.
A descida do preço irá ainda dificultar o acesso aos medicamentos em Portugal à medida que as multinacionais vêem reduzidos os ganhos no mercado nacional. Pita Barros explica que as multinacionais usam “sistemas de referenciação internacional” e que preços demasiado baixos em Portugal podem afastar as multinacionais que podem “optar por não introduzir produtos em Portugal como forma de não prejudicar as operações noutros mercados”.
Portugal é ainda apontado por estudos internacionais, recordam os especialistas contactados, como um dos países que mais atrasam a entrada de medicamentos inovadores. Os dados da Apifarma apontam para uma média de 331 dias até à autorização de entrada de um medicamento quanto na Alemanha, diz Leonardo Santarelli é média é quase nula. E a Apifarm recorda que a inovação é um dos factores fundamentais para manter a sustentabilidade do sistema. “Parceira fundamental neste processo, as empresas farmacêuticas têm vindo a desenvolver novos áreas de actuação, nomeadamente os medicamentos genéricos, que contribuem para a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde e permitem manter a capacidade de integrar os medicamentos e tecnologias de saúde inovadores”, diz fonte da associação.
Pedro Pita Barros alerta ainda para os tempos difíceis que podem enfrentar as empresas de base científica nacional: “Encontrar a forma de [sobreviver], num contexto de (ainda mais) baixo apoio do sistema público de apoio à Investigação e Desenvolvimento, será um desafio importante”, diz o Pita Barros, apontando como possíveis soluções parcerias com universidades ou com empresas que tenham a capacidade financeira e comercial de lançar os produtos.
Medicamentos personalizados
Em matéria de inovação, e com o foco na chamada medicina preventiva, a indústria farmacêutica terá como principal desafio o desenvolvimento de medicamentos cada vez mais adequados a cada doente, defende a Apifarma. “A capacidade de desenvolver medicamentos adequados às características únicas de cada indivíduo, a chamada ‘medicina personalizada’, como um meio de aumentar a eficácia e qualidade do tratamento” é um dos desafios da indústria, diz a associação. Aqui Leonardo Santarelli defende a “qualquer intervenção, seja medicamento ou não, que consiga intervir o mais cedo possível na prevenção de todas as complicações que são a parte natural do envelhecimento”.
Fonte: Económico, 29 de Janeiro de 2012