Os hospitais com dívidas estão a ser forçados a cumprir novas regras para continuar a receber medicamentos dos laboratórios. Entre outras condições, as empresas farmacêuticas exigem que seja fixado um plano de pagamento a prestações da dívida ou só admitem fornecer uma nova remessa de medicamentos quando a factura anterior estiver saldada.
Pelo menos três laboratórios assumiram esta semana publicamente a adopção de medidas deste tipo, mas o PÚBLICO sabe que há mais empresas a mudar a política de crédito. O Governo promete apresentar um calendário de regularização de dívidas a fornecedores até ao final do ano, mas, enquanto isso, o problema agrava-se com o aumento dos débitos dos hospitais que, em Outubro, ultrapassava os 1,3 mil milhões de euros e da demora no pagamento (média de 450 dias de atraso).
Alguns laboratórios não estão dispostos a esperar pelo prometido plano de pagamento da dívida dos hospitais aos fornecedores e decidiram avançar para medidas por conta própria. A farmacêutica Roche (líder no fornecimento de medicamentos aos hospitais, sobretudo na área do tratamento do cancro) já anunciou que vai alterar a sua política de crédito, a partir de Dezembro, junto de cinco hospitais portugueses (Guarda, Aveiro, Torres Vedras, Setúbal e Funchal) com dívidas acumuladas há mais de 750 dias. Tavares de Castro, responsável pela área de corporate affairs em Portugal da empresa, adiantou apenas ontem ao PÚBLICO que “o assunto não está parado”. “Neste momento é precoce fazer qualquer tipo de previsão. O assunto está muito activo por parte de todos os parceiros envolvidos nesta questão”, limitou-se a afirmar.
O ministro da Saúde, Paulo Macedo, que – apesar dos alertas já feitos pela empresa à qual o Estado deve mais de 115 milhões de euros – disse ter sido surpreendido com a decisão da Roche, anunciou a intenção de se reunir com os seus responsáveis e concluiu: “As ameaças da Roche, as ameaças da hemodiálise, as ameaças de outros actores só querem dizer uma coisa: que as dívidas acumuladas a que se chegou, tornam o SNS [Serviço Nacional de Saúde], se não se tomarem medidas, totalmente insustentável”. Em resposta ao PÚBLICO, a assessora do ministro confirmou “o diálogo positivo com a Apifarma [Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica] na procura de soluções”, acrescentando que, “até ao momento, o Ministério da Saúde não teve conhecimento de decisões semelhantes às manifestadas pela Roche”.
Porém, há mais duas empresas farmacêuticas que esta semana assumiram publicamente a mudança de regras no crédito aos hospitais. O laboratório Merck Serono fala numa dívida que deverá chegar aos 30 milhões de euros no final do ano e terá proposto um plano de pagamentos ao Governo baseado no pagamento a 180 dias, numa primeira fase. Esta empresa anunciou ainda que vendeu 100% da dívida de 2010 aos bancos para garantir a receita em falta.
Com uma dívida que representa um terço da sua facturação, o laboratório Novo Nordisk também está a negociar novas “políticas comerciais” com as administrações hospitalares para assegurar o fornecimento de medicamentos. O director-geral António Araújo nota que tem pagamentos com 980 dias de atraso e que, em resposta às novas regras, houve alguns hospitais que se mostraram dispostos a regularizar a dívida. O responsável justifica que a “situação é absolutamente incomportável” e admite que os casos mais complicados possam chegar ao limite de uma suspensão do fornecimento, mas sublinha que esse cenário não deverá ser colocado para os medicamentos que “salvam vidas”, como os produtos que fornecem para hemofilia.
Em declarações feitas ao Jornal de Negócios há já um mês, Pedro Lopes, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, confirmou que alguns laboratórios informaram que só vão continuar o fornecimento de medicamentos mediante pagamento imediato. A situação, acrescentou, é mais grave com os pequenos e médios laboratórios, que “já estão a suspender os fornecimentos” aos hospitais.
A Apifarma transmitiu a sua “preocupação com a actual situação do mercado farmacêutico e o seu impacto na actividade das empresas e na equidade dos doentes no acesso ao medicamento” ao Presidente da República, num encontro que teve lugar na passada sexta-feira. Por outro lado, no final do mês passado esta associação que representa a indústria farmacêutica enviou cartas aos ministérios da Saúde, Economia e Finanças manifestando a sua total disponibilidade para colaborar na elaboração do prometido plano de pagamentos. Até ontem, a Apifarma não tinha recebido qualquer resposta. A solução para a regularização da dívida, como acordado no memorando da troika, deveria ter sido apresentada em Setembro, tendo sido depois adiada para o final deste ano. Em Outubro, o ministro da Saúde lançou o aviso aos credores dos hospitais, sublinhando que “não há uma solução mágica” para resolver esta dívida. E acrescentou: “Não há nenhum mecanismo nem nenhum cofre onde estejam os 3 mil milhões de euros [total da dívida dos hospitais a fornecedores]”. Ontem, fonte do gabinete garantia que “o Ministério da Saúde está empenhado no cumprimento estrito da medida constante do memorando”.
Fonte: Público, 24 de Novembro de 2011