Em três anos 1400 médicos abandonaram o SNS por sua iniciativa. Em 2012 e 2013 as denúncias e resoluções de contrato por parte dos clínicos superaram mesmo as aposentações, o que nunca tinha acontecido.
Segundo uma análise do i a dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), as saídas por vontade própria aumentaram em 2010, quando começou o congelamento salarial na função pública. Em 2011 e 2012 foram mais do dobro do que as que se registavam em 2009, mais de 500 por ano. Em 2013 baixaram para 387, sendo que, ainda assim, houve mais 40 médicos a rescindir do que a reformarem-se.
Numa altura em que se tenta perceber o que tem gerado as dificuldades nos serviços de urgência, o fracasso no planeamento dos recursos humanos poderá ter mais esta variável em conta. O governo insiste que tem contratado todos os médicos que se formam mas nem sempre o saldo tem sido positivo. Se os estudos feitos na última década já anteviam dificuldades dado o envelhecimento da classe e um período em que as vagas de Medicina não eram suficientes para as aposentações previsíveis, reformas antecipadas e rescisões terão agravado o défice.
Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), admitiu ao i não ter noção da dimensão das rescisões mas adianta que havia a percepção de que este, a par das reformas antecipadas, seria um factor importante, sendo aliás números que o SIM tinha solicitado à tutela numa recente carta aberta. O dirigente atribui as saídas à desmotivação e concorrência do sector privado, que tem a fragilizado os serviços. O facto de as unidades estarem dependentes de autorização da tutela para contratações e haver um histórico elevado de saídas que não foram substituídas terá contribuído para o evidenciar de lacunas este Inverno, quando a maioria das unidades tem testemunhado que não há mais doentes do que noutros anos, apenas menos meios – não só médicos mas também enfermeiros e auxiliares. No Amadora-Sintra havia, por exemplo, pedidos à tutela para a contratação de 17 médicos desde Março do ano passado, que só pelo Natal foram autorizadas face ao pico de 22 horas de espera na noite de 23 para 24.
O problema das urgências vai ser esta tarde discutido no parlamento após um agendamento potestativo do PS. Ontem o SIM reuniu-se com deputados socialistas, alertando que se o problema de planeamento carece de uma resposta a médio prazo, reduzir as burocracias na contratação pode ter um resultado imediato.
Segundo o dirigente, metade dos médicos que concluíram a especialidade em Abril do ano passado ainda não está colocado devido a atrasos nos procedimentos concursais, continuando como internos nos serviços onde fizeram a formação. “Se são 500 médicos vezes 24 horas de urgência por semana, estamos a falar de 12 mil horas. Estando ainda como internos, não têm autonomia e não podem estar escalados sem supervisão.” Roque da Cunha diz que tal como muitos clínicos rescindem contratos, alguns destes médicos que aguardam há quase um ano por uma colocação e vencimentos de início de carreira, 600 euros superior ao que têm como internos, poderão ser aliciados para o privado com melhores condições. Sobretudo os melhores, adverte.
O SIM defende que a colocação destes médicos deverá demorar no máximo três meses. “Não faz sentido numa situação de calamidade de recursos humanos haver este corpo de médicos a aguardar”, defende o dirigente. Do lado da tutela, o alargamento excepcional dos horários dos centros de saúde e autorização de contratações foram as medidas paliativas. Mas Paulo Macedo pretende a médio prazo também que os médicos trabalhem mais anos nas urgências, sendo que actualmente podem pedir dispensa do serviço nocturno aos 50 e do diurno a partir dos 55 anos. Roque da Cunha diz que 30% dos médicos continua ainda assim a fazer urgências para lá destas idades, admitindo que será difícil obter um acordo sobre esta matéria dado a actividade nas urgências ser de elevado risco de burnout.
Fonte: Jornal I, 8 de janeiro de 2014